Por sugestão do nosso brother-editor-fundador-e-ombudsman, na seção Discoteca Básica de 4 de setembro, os Beatles emplacam mais uma capa (a 3ª) nesta coluna que disseca os mistérios, os segredos e as maravilhas das capas de discos de rock. E não é pra menos, Revolver marca a guinada do quarteto de Liverpool rumo a um patamar artístico superior, amadurecido. A “ingenuidade” teen, que já ficara um pouco para trás no anterior Rubber Soul, foi devidamente abandonada a partir daqui, dando lugar a temas mais complexos e sérios do que amores, dores e temores adolescentes. Musicalmente, o disco representa um grande salto, com experimentações instrumentais e técnicas de gravação sofisticadas. Até aquele verão de 1966 nunca houvera um disco como Revolver, pelo simples fato de que nunca houvera uma banda como os Beatles.
O pop a partir da segunda metade dos anos 60 atingira a maturidade, com uma inundação de álbuns revolucionários e de alto nível como Pet Sounds, dos Beach Boys, Bring it all Back Home e Blonde on Blonde, de Dylan, além de trabalhos consolidados de Who, Kinks e Animals. A coste oeste americana fervilhava com experimentações sonoras , sociais e químicas. Os Beatles, que pontuavam uma revolução conceitual, não poderiam ficar de fora. Revolver é um divisor de águas para a banda, que até então se apresentara ao mundo sob um forte conceito de unicidade. O quarteto cantava junto, dava entrevista junto, só andava junto. Os quatro tinham visual idêntico a ponto de serem confundidos entre si e cada um completava a piadinha do outro nas coletivas, enfim, teceram o conceito forte de grupo, uma gangue unida pela proposta musical. A partir de Revolver os rapazes se reapresentam sob um novo caráter individualizado e os discos passam a ser a soma de partes célebres para constituir um todo célebre.
Depois de considerar títulos como Abracadabra e Magic Circles, o grupo decidiu por Revolver, do verbo revolver (em inglês, to revolve), e não uma alusão à arma de fogo (hand gun, fire gun ou weapon são mais usados, mas revolver também existe como substantivo na língua inglesa). O título significa nada menos do que revolver de maneira equilibrada de um beatle para o outro, um trocadilho em homenagem ao papa da comunicação moderna, Marshal McLuhan, já que à época vivíamos uma verdadeira revolução da comunicação de massa. Foi o primeiro disco em que a banda conscientemente transformou a articulação de suas personalidades individuais no tema de sua própria música.
Cada aspecto do álbum foi concebido para mostrar o rompimento com o passado. A começar pela capa, que pela primeira vez consistiu em algo mais do que uma lisonjeira foto do grupo unido. Uma colagem artística em preto e branco que traça uma caricatura dos integrantes do grupo em um desenho a pena. O trabalho é de um antigo parceiro dos tempos de Hamburgo, Klaus Voorman, que inclusive chegou a tocar baixo com o grupo quando o antigo baixista e brother de Lennon, Stuart Stucliffe, migrou para as artes plásticas. Voorman, que posteriormente ingressou nos quadros do Manfred Mann Earth’s Band como baixista, designou a cada beatle um quadrante da capa, separadamente, unindo-os num grande emaranhado de cabelos, cuja superfície desgrenhada via-se repleta de caricatura dos Beatles como duendes misturados a recortes das capas dos discos anteriores e de fotos de publicidade que, de um modo ou de outro, influenciaram nas ideias que o conjunto desenvolvera para as músicas do novo álbum.

Na contracapa, acima de uma fotografia com iluminação suave dos fab four usando óculos escuros, a listagem das músicas vem acompanhada por outra paralela, que destaca o vocal principal de cada canção. A identificação de quem cantava cada música não era uma novidade, já que os anteriores também apontavam o cantor de cada faixa. Mas em Revolver a autoria e o vocal principal foram mais enfatizadas do que nunca, dando mesmo a ideia de união por meio das partes em separado. Àquela altura, os rapazes que estavam sempre juntos, agora tinham vidas separadas, só se encontravam para mostrar as sugestões de músicas, ensaiar e gravar. A parceria Lennon & McCartney se consolidou como a principal nas composições da banda, mas os espaços de Ringo e Harrison, que no disco introduz a cítara, fruto de sua crescente atração pela cultura oriental, ficaram mais valorizados.
Revolver revolveu a história da mais importante banda da história do rock e, por consequente, a da música pop. O que veio depois dele, tanto dos Beatles como do crescente cenário pop foi puro diamante em estado bruto.

Putz, o que dizer? Sensacional, brow. Mais um belo e extraordinário texto. Adorei a expressão "amores, dores e temores adolescentes": perfeita para definir a primeira fase, a da Beatlemania. O contraste entre o conceito de unicidade do grupo (até então) e o destaque para as individualidades (a partir daí). "Revolver" = verbo, remexer algo. Não sabia que tratava-se de uma arte de Klaus Voorman. Uau. Talvez, sugerisse ao comprador do disco que o novo trabalho (representado pelos desenhos grandes com o visual atualizado dos quatro) vinha do revolvimento do passado (as fotos antigas retiradas de todas as aventuras já vividas e acumuladas até ali). Interessantíssimo o destaque ao aspecto de que, naquele ponto, eles já não viviam juntos, mas sim separados e só se reuniam para ensaiar, mostrar canções e gravar. Valeu, brow. Duca.
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