domingo, 28 de agosto de 2016

Grandes discos do Heavy: Immortal - "At The Heart Of Winter (1999)

De todas as bandas norueguesas de Black Metal, o Immortal é a que mais se prendeu a uma visão inspirada pelo oculto e pelo místico. Seus membros, desde o início, mantém máscaras de maquiagem "tipo Kiss" com cara de mal, raramente experimentam algo fora do tradicional instrumental baixo/guitarra/bateria e buscaram criar personagens escondendo seus verdadeiros nomes. Irmãos apenas nos pseudônimos, Abbath Doom Occulta (vocais e baixo) e Demonaz Doom Occulta (guitarras) formaram o Immortal em Bergen, Noruega, em 1990. Abbath foi membro original do Old Funeral, banda de Death Metal de garagem que também incluiu Varg Vikernes (que depois ganharia enorme notoriedade não apenas por seu projeto Burzum, mas pelo assassinato de Euronymous, guitarrista do Mayhem). Demonaz participou do Amputation, outra banda de Bergen. O Immortal sempre buscou voluntariamente manter-se longe da cena Black Metal de Oslo, em torno do Mayhem (eles repetidamente minimizaram as relações com os membros daquela cena). Inspirados pelas densas florestas norueguesas e por seu clima gelado e sombrio, Abbath e Demonaz conceberam o ficcional reino de Blashyrkh repleto de demônios e batalhas, base sobre a qual todas as letras da banda passaram a tratar.
O duo recrutou o baterista Armagedda e, por pouco tempo, um segundo guitarrista Jorn Inge Tunsberg, que sairia após gravação de duas fitas cassete, "Suffocate" e "Northern Upins Death". A música nessas gravações era puro Death Metal, com letras influenciadas por Morbid Angel e Possessed. Preferindo, então, manter-se como um trio, a banda gravou "Unholy Forces Of Evil/The Cold Winds Of Funeral Frost", um EP lançado pelo selo francês "Listenable Records", em 1991, que acabou levando o Immortal a um contrato com outra gravadora francesa, a "Osmose Records". Neste EP, mais influenciados por gente como Bathory e Celtic Frost, o som era um Black Metal
O álbum de estreia, "Diabolical Full Moon Mysticism", lançado em 1992, apresentou o germe do que viria a se tornar uma grande banda de Black Metal. Como você pode imaginar, era rançoso e profano como as demais bandas norueguesas do gênero, embora um pouco mais melódico e audível que seus pares. Aqui, eles ainda não haviam desenvolvido as dinâmicas de composições e a musicalidade. A produção suja deixava o baixo atolado, a bateria e as guitarras com eco de garagem, os vocais enterrados na massa sonora... tudo como se saído de uma caverna úmida das profundezas norueguesas. Nesta fase, o guitarrista Demonaz utilizava violões durante toscas introduções e interlúdios (coisas que logo a banda iria descartar totalmente) e demonstrava influência do Death Metal norte-americano (algo que seria substituído na sequência pelo verdadeiro coração congelado escandinavo). Ainda assim, "The Call Of The Wintermoon" e a marcha épica "A Perfect Vision Of The Rising Northland" eram, em retrospectiva, pontos de partida lógicos para o Immortal. "Pure Holocaust", de 1993, introduziu aquilo que se tornaria a marca registrada da banda, uma verdadeira avalanche quase descontrolada de "blastbeats" (Metranca ou metralhadora, um padrão rítmico originário do Punk Hardcore no qual a bateria faz uso de baquetadas rápidas alternadas ou coincidentes na caixa e no chimbal, formando a levada da batida, enquanto o bumbo é tocado entre eles para criar uma "parede sonora"- ou coincidindo a baquetada da caixa com a do prato de ataque, para um efeito ainda mais carregado). Armagedda havia saído forçando Abbath a tocar a bateria em todas as faixas (o que aconteceu também no álbum seguinte), ainda que o baterista Grim apareça na fotografia da capa e tenha tocado na turnê europeia de 1993, antes de ser demitido (ele tocaria ainda com o Gorgoroth e com o Borknagar, antes de cometer suicídio em 1999). Enquanto o Black Metal, nesta época, já havia se tornado cheio de clichês, alguns artistas buscavam manter (e salvar) a integridade do gênero. Claramente um deles, o Immortal, em "Pure Holocaust", despejava riffs pesados, tecnicamente complexos, poderosos e desafiadores que impulsionavam as canções através daquela miríade de "blastbeats". Por outro lado, surpreendentemente, o álbum também trazia ambientes suaves em certas sessões, sem se apoiar na banal estética do gótico. Isto gerava um Black Metal de atmosfera ambígua, emocionalmente única.
"Battles In The North", de mai/95, terceria porrada deles, é hoje considerado por muitos com um dos momentos definidores do Black Metal. Tal qual seu antecessor, "Pure Holocaust" (mais lento e levemente menos focado), "Battles..." era furioso, algo sub-produzido, um assalto sem dó de "blastbeats", vocais demoníacos e guitarras barulhentas com um objetivo: libertar almas ilegítimas das paisagens congeladas norueguesas dentro de uma gloriosa batalha contra tudo remotamente comercial ou acessível, não deixando pedra sobre pedra. O resultado eram dez faixas borradas pela hiper velocidade do Black Metal que encurralava as melodias dentro daquele cercado rítmico de chumbo. Algumas dessas faixas se tornaram clássicos do estilo ("Circling Above In Time Before Time" e "Blashyrkh (Mighty Ravendark)", por exemplo). Nunca uma anti-produção beneficiou tanto o tema de um disco, com aquela enxurrada de guitarras indiscerníveis, uma nevasca de batidas invocando as piores tempestades e os vocais de Abbath vomitando desgraçadamente letras (incrivelmente efetivas e poéticas) com imagens de guerras. Talvez, a faixa-título seja a mais devastadora e violenta já emanada do rigoroso e gélido Black Metal escandinavo. Certamente, um sorriso demente deve ter brotado no rosto de cada fã do gênero ao perceber do que eram capazes esses devotados noruegueses de cara pintada. "Battles..." foi um trabalho que colocou o Immortal numa posição especial pela consistência dos temas, eficiência instrumental, pela despretensão e reverência aos verdadeiros pilares do Black Metal. Ainda em 1995, a banda lançou dois vídeos clips (dirigidos pelo inglês David Palser) que apresentaram imagens brabas de paisagens totalmente congeladas e florestas petrificadas (o baterista do Mayhem, Hellhammer, temporariamente assumiu as funções, inclusive em shows).
"Blizzard Beasts", o quarto álbum, de 1997, soou como um trabalho corrido (comparado com os anteriores). As composições vieram enterradas numa produção ruim proposital. Algumas faixas ("Nebular Ravens Winter", "Suns That Sank Below" e "Frostdemonstorm") eram boas e sólidas, mas o resto evoluía nada em relação a "Battles...". Visto hoje como um álbum de transição, o último a contar com o guitarrista fundador Demonaz (que saiu por conta de uma grave tendinite no braço), este disco levou o baixista/vocalista Abbath a assumir também a guitarra (mais Horgh estreando na bateria) e liderando a banda para fora do inferno de "blastbeasts" e para um terreno mais espaçoso. Não era um fracasso, mas não se compara com "Battles...". Então, em dez/99, "At The Heart Of Winter' marcou o início de uma segunda encarnação do Immortal. Com Abbath tocando o baixo e as guitarras, mais Horgh na bateria (ainda que Demonaz tenha contribuído com suas letras sobre invernos e fantásticas guerras, além de ter assumido as funções de empresário da banda), o Immortal progrediu de sua embolado, hiper veloz e sub produzido Black Metal para outro mais maduro, muscular, misturando batidas congeladas norueguesas com riffs intrincados e complexas trocas de tempo, típicas do Thrash Metal alemão. O resultado foi o aclamado álbum "At The Heart Of Winter", que marcou-lhes uma nova fase em que passariam a experimentar com tais fusões. Isto não quer dizer que o Immortal tenha abandonado os "blastbeats" ou que Abbath não mais cante guturalmente feito um réptil do inferno. Em épicos longos e criativos como "Withstand The Fall Of Time", "Years Of Silent Sorrow" e "Tragedies Blows At Horizon" havia um equilíbrio entre a outrora ofensiva radical pronta para despedaçar e melodias grandiosas e majestáticas (anteriormente só insinuadas de maneira muito distante). Assim, havia espaço para a bateria "respirar", com Horgh podendo trabalhar seus tambores o que acrescentou um ar diferente e orgânico às performances. O disco também introduziu a relação da banda com o produtor Peter Tagtgren e seu Abyss Studios, que trouxe um jeito grosso e pesado que complementou muito bem o resultado. A clareza e foco inéditos, a organização cuidadosa da mistura Black Metal na base com elementos do Thrash Metal produziram força e poder aos riffs tipo "rolo compressor" dentro de longas faixas num disco sensacional.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Comentários são bem vindos, desde que respeitosos da opinião alheia e sejam construtivos para o debate de ideias.