sexta-feira, 18 de setembro de 2015

Peter Hammill: um cantor e compositor singular (parte 3)

Em 1986, Peter Hammill lançou dois álbuns: "Skin" e "And Close As This". "Skin" continuou sendo uma reunião do Van Der Graaf Generator em termos de pessoal, inclusive seguindo o espírito/tom dos discos anteriores a este. Entretanto, Hammill seguia trabalhando sua própria direção, personalíssima, muito distante do que seriam os objetivos da banda. "Skin" veio meio dependente do teclado MIDI (aquele que emula qualquer instrumento), o que deixou o som bem óbvio, embora os músicos presentes tocassem esplendorosamente (especialmente Guy Evans na bateria e David Jackson no sax). Por isso, era estranho ouvir Hammill cantar apoiado em samples, metais sintetizados e batidas plastificadas, ainda mais numa canção que falava sobre morte da arte ("Painting By Numbers"). Por outro lado, havia algo bom, pois isto demonstrava sua habilidade/flexibilidade em se manter criativo com a mudança dos tempos. Um claro destaque no disco era a faixa "Four Pails", uma linda canção de Judge Smith (velho comparsa de Hammill e membro original do VdGG). E exatamente porque Hammill aparentemente alternava lançamentos imprevisíveis, "And Close As This" surpreendeu novamente com o artista exclusivamente num formato teclado-voz. Difícil não se impressionar com a emoção na voz de Hammill em canções como "Other Old Clichés" e "Beside The One You Love". E assim como em toda sua obra, ele aqui uniu música delicada com alguns vocais, às vezes, digamos, ultra intensos (exemplo: "Too Many Yesterdays"). Os teclados eram filtrados via computador, atualizando o típico som de Hammill (principalmente aquele de seus primeiros discos, entre eles o discaço "Chameleon In the Shadow of the Night"). Curiosamente (e talvez, infelizmente), Hammill não iria seguir este estilo (seu disco seguinte, "In A Foreign Town" seria completamente diferente, com produção exagerada e um som anos 80 totalmente datado). Mas fica a dica, "And Close As This" ficou como um dos melhores álbuns de Hammill.
Em 1988, ele acertou um contrato de 3 álbuns com o selo norte-americano independente Enigma. "In A Foreign Town", ainda que não considerado entre seus melhores trabalhos, trouxe algum material que valia a pena. Autoproduzido, o disco tinha uma batida mais vibrante (pense no Genesis dos anos 80), musicalmente bastante variado: "Invisible Ink" (com som New Wave), "Sci-Finance (Revisited)" (soando Talking Heads), "Auto" (parecendo King Crimson, fase Adrian Belew). O problema era aquela produção típica oitentista, tão diferente do estilo direto da Hammill, às vezes lhe dando um ar falso. A única faixa onde tínhamos o conhecido piano-voz era "The Play's The Thing". Um pecado já que as composições eram boas e, como uma produção unidimensional, ficariam muito mais interessantes. Em 1990, ele lançou 2 novos álbuns. "Out Of Water" seguiu o padrão de imprevisibilidade. Hammill se voltou ao teclado MIDI, tentando, meio aos trancos e barrancos, avançar com sua arte pela tecnologia. Arranjos de cordas e de orquestra feitos totalmente nos teclados, efeito reverber, a presença de Stuart "Hooligan" Gordon (um violinista escocês) mais Nic Potter (baixo), John "Fury" Ellis (guitarra), David Jackson (sax), um certo ar de déjà vu (vários temas recorrentes na carreira dele: relacionamentos, traumas de personalidade, consciência política, uma angústia cósmica...), tudo junto parecia mais um resumão do que algo realmente novo. 
"Room Temperature: Live", o outro disco de 1990, era um CD duplo, com alguns overdubs e no qual se ouviam pouco os aplausos, gravado durante uma turnê rápida de um mês (pelos EUA, Canadá e Inglaterra) com uma banda que consistia de Stuart Gordon (violino), Nic Potter (baixo) e Hammill (teclados, guitarra e vocais). Performances fortes e assombradas (muito pela ausência de um baterista), tão expostas e de um jeito que talvez fosse o jeito do ouvinte conseguir chegar o mais perto do coração/alma de Hammill. Neste formato, é embasbacante a emoção capturada em seus vocais, num tipo de entrega que talvez represente a demonstração máxima de seu canto. Entre vários destaques, em diversas canções bem conhecidas de seu repertório, a intensidade e consistência saltam os ouvidos. Um álbum muito aclamado entre fãs. Em 1991, ele lançou sua primeira ópera, "The Fall Of The House Of Usher" (de Edgar Allan Poe), num trabalho junto com Judge Smith. Hammill havia começado a trabalhar no projeto ainda nos anos 70, mas sentiu que a coisa não havia ficado perfeita. Composta de seis atos (com pequenas mudanças aqui e ali na estória original), musicalmente não era Rock Progressivo (como o resto da obra de Hammill), mas música erudita. Porém, fãs não se desapontaram. Muitos vocais à capela, tipo igreja, que faziam as vezes de guitarras/teclados. Aliás, sintetizadores e bateria não apareciam de cara, mas só depois. Então, era o tipo de gravação que levava mesmo um tempo para o ouvinte se acostumar. Destaques eram "The Herbalist" (no melhor estilo Genesis do início) e a suave "That Must Be The House". Embora Hammill tocasse todos os instrumentos e muitos vocais, outros artistas contribuíram (Lene Lovich, Andy Bell, Herbert Grönemeyer etc.).
Em 1992, o compositor lançou seu próprio selo, o FIE! Records, e uma reconhecida obra-prima, o álbum "Fireships", gravado em seu estúdio caseiro em Bath, condado de Somerset (a sudoeste da Inglaterra). Considerado um de seus mais consistentes trabalhos, tranquilo, em clima de intimidade, composto por uma coleção de odes sobre relacionamentos no melhor espírito de "The Love Songs" (de 1984), "Fireships" era um álbum reflexivo, altamente poético e intenso. Cada uma de suas nove canções eram grandes (tomando entre 5 e 7 minutos), com amplo espaço para sua construção. Nas letras, Hammill seguia suas preferências. Por baixo de cada uma, uma tragédia, um fogo latente, algo que, mesmo nas faixas mais lânguidas (como o destaque "His Best Girl"), consumia-se lentamente. Uma joia.

Um comentário:

  1. Não me arriscarei muito nesta fase do bardo. Mas esses posts têm sido de grande utilidade pois pretendo investir e mais alguma coisa desse fantástico músico. Aguardo ansioso relatos da fase mais recente. Muitos músicos que se destacaram nos 70 estão hoje fazendo um belo trabalho, sem a pressão e os holofotes e com maturidade musical.

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