O antigo guitarrista do Pink Floyd David Gilmour não é prolífico. "Rattle That Lock" (tradução: chocalho que trava) é apenas seu quarto álbum solo de estúdio e surge apenas dez meses após o lançamento do álbum derradeiro de sua famosa banda ("The Endless River").
Na época de sua estreia solo, "David Gilmour" (de 1978), ele não só já era um artista consagrado e estabelecido como o todo-poderoso guitarrista do PF, uma das bandas mais importantes da história do Rock inglês, como também já era reconhecido por seus notáveis vocais emotivos e melódicos. O disco foi gravado com o baixista Rick Wills e o baterista Willie Wilson (do Sutherland Brothers), mais tarde ambos parte do PF expandido que realizou os shows da turnê original para "The Wall". O álbum nem se comparava aos feitos do Floyd (no sentido de não conter música imortal), mas era muito legal e agradável de ouvir. Bem mais acessível do que "Animals" (lançado no início daquele ano), trocava os épicos por faixas mais curtas e reflexivas. Enquanto a grande maioria das canções foi composta pelo próprio Gilmour, a faixa de maior sucesso, "There's No Way Out Of Here", foi co-escrita com Ken Baker (da banda Unicorn) e era meio viajante e melancólica, com um gancho bacana entre uma guitarra com "slide" e a harmônica. Soava um pouco como um outtake do PF (mas que Roger Waters certamente inseriria letras mais pesadas para compensar a melancolia). O disco todo soou com uma grande jam divertida feita com comparsas (e alguns overdubs de teclados aqui e ali). Alguns destaques eram "Cry From The Street", "So Far Away" (um de seus melhores vocais) e a última faixa, "I Can't Breathe Anymore" (capturando o recorrente tema floydiano do isolamento). O segundo álbum solo, "About Face", foi lançado em 1984, seguindo a então aparente dissolução do PF e foi um trabalho muito mais acessível. Contando com uma banda estelar (que incluía Jeff Porcaro na bateria, Pino Palladino no baixo e Anne Dudley nos sintetizadores), Gilmour descortinou uma sensibilidade Pop totalmente improvável no repertório do PF e várias faixas conseguiram alcançar as ondas das rádios. "Until We Sleep" veio repleta de sintetizadores cintilantes e bateria cavernosa. "Bue Light" foi um pequeno hit Pop com uma guitarra atolada em delay (marca registrada de Gimour) e o andamento roqueiro embalado por metais. A bela "Murder" era acústica e trazia o enfoguetado órgão de Steve Windwood. Pete Townshend escreveu duas faixas: "Love On The Air" e "All Lovers Are Deranged". A guitarra fluída de Gilmour desfilava pelo disco, toda faceira e afiada.
O terceiro álbum solo, "On An Island" só apareceu em 2006, expressivos 26 anos depois do anterior, uma clara indicação de que o artista decididamente não é daquele tipo que fica buscando faturar em cima de seu nome conhecido. Aliás, Gilmour é o cara que vendeu sua casa por 4 milhões de libras esterlinas e deu o dinheiro para instituições de caridade. Na época, reconciliado com Roger Waters (pelo menos, com relações civilizadas), ele produziu este álbum em parceria com a esposa, Polly Samson (6 das 10 faixas eram escritas pelo casal e ela ainda tocava um pouco de piano e canta). O disco, musicalmente, era descontraído, elegante e totalmente Rock inglês. Tinha uma atmosfera meio noturna, de madrugada tranquila e silenciosa, porém com alguns pequenos sobressaltos. Produzido pelo próprio Gimour, mais Phil Manzanera (que também toca teclados!) e Chris Thomas, o álbum trouxe um extensa lista de convidados (Richard Wright, Robert Wyatt, B.J. Cole, Andy Newmark, Georgie Fame, David Crosby, Graham Nash, Jools Holland, Willie Wilson etc.). "Castellorizon" era climática e tinha a guitarra de Gimour apoiada por arranjos orquestrais lindos. A faixa título era lenta e espacial com os teclados de Wright e vocais dreamy de Gilmour (além dos backing vocals de Crosby e Nash). "The Blue" era outro destaque (novamente com Wright, fazendo vocais e órgão Hammond). "Take A Breath" era mais pesada, com piano, sintetizadores e um jeito dramático. Na instrumental "Red Sky At Night", Gilmour tocava sax (!) e sua guitarra. "This Heaven" era bluesy, meio sinistra. Ainda havia "The I Close My Eyes" e "Where We Start" que fechavam um trabalho sedutor, cheio de sutilezas e texturas calmas. Então, chegamos neste novo álbum, "Rattle That Lock", de 2015. Gilmour gravou cerca de 35 canções (algumas datando de 18 anos atrás). Fechar a lista em apenas dez não deve ter sido tarefa fácil. Abre com a instrumental "5 A.M." e suas orquestrações. A famosa guitarra de Gilmour entra 30 segundos depois, lenta, bluesy, acompanhada de violões, sintetizadores, um piano elétrico e cordas anunciando a faixa-título (também lançada em single, com 2 linhas bem funky de baixo, coro e um jeito pronto para as rádios). Ela é a primeira de cinco canções do disco novamente co-escritas com sua esposa. "Faces Of Stone" é um crossover entre falsa e tango, colorida com atmosfera floydiana e uma guitarra uivante. As harmonias lindas de Nash e Crosby voltam a aparecer em "A Boat Lies Waiting", um comovente tributo ao tecladista Richard Wright, seu parceiro de PF. Gilmour paira suavemente sobre o elegante piano de Roger Eno, cordas e o choro de gaivotas. As letras de Polly Samson são econômicas, porém fortes em capturar nostalgia, dor e pungência. "In Any Tongue" fala do risco de uma guerra global com homens manipulando drones e joysticks. "Beauty" traz um mínimo piano e linhas de guitarra Blues-Rock. O segundo single, "Today", começa como um hino, mas rompe num Funk arretado misturado com acompanhamento orquestral e funciona muito bem. A instrumental que fecha o trabalho, "And Then...", traz Gimour em sua Stratocaster e entre violões, uma faixa tão lírica que a guitarra praticamente canta, certamente um destaque do disco. No todo, "Rattle That Lock" acaba revelando confiança e apurado senso de composição de Gilmour/Samson. Um retrado do músico em 2015.
Bacana essa resenha focalizando a obra solo desse maravilhoso guitarrista. O timbre emulado de seu instrumento é um dos mais belos, senão o mais, do rock. No entanto sua carreira solo é irregular. Não conheço (ainda) o mais novo, mas certamente irei comprar como fiz com os demais (e também com os discos de Waters).Até hoje ainda gosto mais do primeiro. O segundo, apesar das estelares participações me soa artificial, talvez em função dos sintetizadores, que contaminaram quase a totalidade das obras do rock do período. On an Island, também com ilustres convidados, achei tão belo quanto chato. Vamos ver este agora. Mas apesar das observações acima, gosto dos discos dele, só acho que poderiam ser melhores, dado ao imenso talento do cara.
ResponderExcluirO que me incomoda um pouco nestes trabalhos mais recentes dele é a batida Pop (quase Dance). Estou contigo e também gosto mais do primeiro, exatamente por não ser contaminado por estas batidas. Se bem que, de vez em quando, ele acerta a mão e cria uma faixa em que elas caem bem.
ResponderExcluirNove anos depois, David Gilmour volta com álbum ambicioso
ResponderExcluirPelo jornalista André Barcinski.
Basta uma nota para o fã do Pink Floyd identificar o guitarrista: aos 40 segundos da instrumental "5 A.M.", que abre o novo disco solo de David Gilmour, "Rattle that Lock", há um solo que é puro Gilmour –lento, bonito e grandioso. Poucos guitarristas têm um som tão peculiar.
"Rattle that Lock" é o quarto disco da carreira solo de David Gilmour e o primeiro em nove anos. Surge um ano depois do canto do cisne do Pink Floyd, "The Endless River", um tributo a Rick Wright, o tecladista que morreu em 2008. "The Endless River" era quase todo instrumental e formado, basicamente, por sobras de estúdio do LP "The Division Bell" (1994), do Pink Floyd.
Parecia um trabalho até preguiçoso, como se Gilmour, que há 30 anos mandava e desmandava na banda –desde a saída de Roger Waters, em 1985– se visse obrigado a pôr um ponto final na carreira do Floyd.
"Rattle that Lock" é o oposto: um disco ambicioso e de produção grandiosa, cheio de convidados ilustres, como o ex-Roxy Music Phil Manzanera e o compositor polonês Zbigniew Preisner, que fez os arranjos orquestrais. E são poucos os artistas no mundo que podem se dar ao luxo de ter um duo como David Crosby e Graham Nash, do grupo Crosby, Stills, Nash & Young, ajudando nos vocais.
Gilmour sempre foi um mestre em canções épicas repletas de momentos intimistas. Quantas do Floyd não começavam soando espartanas e confessionais, só para cair em refrões ribombantes, daqueles que oitenta mil pessoas cantavam em estádios?
"Rattle that Lock" traz alguns momentos de pura opulência floydiana: "Faces of Stone" começa como uma valsa, em que a voz de Gilmour soa incrivelmente parecida com a de Leonard Cohen, só para virar, no fim, um épico progressivo, com um solo de guitarra grandioso.
"Dancing Right in Front of Me" e "In Any Tongue" são baladas –com letras de Polly Samson, mulher de Gilmour– feitas para o público cantar junto. O disco traz também momentos mais pop, como a faixa-título e "Today", duas mais aceleradas e com pinta de hits de rádio.
David Gilmour tem 69 anos, está na estrada há mais de 50, e sabe o que o público espera dele. "Rattle that Lock" vai agradar a seus fãs
Retirado do site http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2015/10/1692930-nove-anos-depois-david-gilmour-volta-com-album-ambicioso.shtml
Rattle that lock = Agite esse cadeado. "Chucalho que balança" é uma tradução bem tosca.
ResponderExcluirRealmente, a sua tradução se encaixa bem melhor no contexto da letra. Obrigado.
ResponderExcluir