quarta-feira, 28 de junho de 2017

Talk Talk: synth-Pop oitentista mais ambicioso a cada disco

Com exceção de alguns pequenos pontos em comum, entre eles os vocais queixosos e as letras assombradas de seu frontman Mark Hollis, há bem pouco capaz de sugerir que os 5 álbuns que compõem a obra do Talk Talk tenham sido produzidos pela mesma banda. Após terem começado no epicentro do movimento "New Wave", o grupo inglês nunca olhou para trás dando saltos significativos para frente a cada sucessivo álbum, criando um som totalmente único e não categorizável cheio de elementos do Jazz, música erudita e Ambient. Suas gravações finais foram magistrais e, apesar da falta de sucesso comercial, possuem um raro aspecto atemporal, difícil em qualquer gênero, e que, em retrospectiva, serviu de ponto de partida para outro movimento, o do "Pós-Rock", nos anos 90. A estória da banda começa com o cantor/compositor Mark Hollis, irmão mais novo de Ed Hollis, um DJ e produtor que gerenciou bandas da era Punk como Eddie & The Hot Rods. Mark Hollis originalmente planejara ser psicólogo, mas em 1975 deixou a universidade, mudou-se para Londres e formou uma banda chamada The Reaction. Em 77, eles gravaram uma demo tape para a Island Records e entre aquelas faixas estava uma chamada "Talk Talk". Após apenas um single, "I Can't Resist", de 78, o Reaction acabou e, através de seu irmão, Mark conheceu Paul Webb (baixo), Lee Harris (bateria) e Simon Brenner (teclados) com quem ele montou o Talk Talk, em 1981. Após gravar algumas demos com o produtor Jimmy Miller, eles assinaram com a EMI, que por sua vez contratou o produtor Colin Thurston (ex-Duran Duran) para dirigir seus dois primeiros singles, "Mirror Man" e "Talk Talk". Claramente, o objetivo da EMI era moldá-los ao espírito do movimento "New Romantic" e colocou-os como banda de abertura do Duran Duran na turnê deles pelo Reino Unido, em 82.
O álbum de estreia, "The Party's Over", de 82, foi na verdade produto de seu tempo, definido pelas sensibilidades Pop dos sintetizadores, mas com uma honestidade e profundidade nas letras ausentes na maioria dos outros discos da época. Foi um começo, digamos, servil: o Talk Talk era amplamente derivado do formato Synth Pop dos New Romantics e, claro, do Duran Duran. O LP deixava isto óbvio. Boa parte dele era uma tentativa de recriar o álbum de estreia do DD, mas que, mesmo nos momentos de cópia mais flagrantes, havia um charme que tornava tudo algo adorável. Em 83, o Talk Talk voltou com o single "My Foolish Friend", já um grande passo à frente e um som mais denso e maduro. A demissão do tecladista Brenner demonstrou que os dias da banda deixar-se dominar pelos sintetizadores haviam ficado para trás. O resto daquele ano foi gasto compondo e gravado "It's My Life", de 85, a grande virada da carreira deles. Lançado em 84, trouxe a banda remodelada num estilo mais sofisticado (pense Roxy Music), enquanto já desenvolvendo voz própria. Composições bem melhores, com afirmações altamente pessoais e grooves sedutores/sexys e uma diversidade que transcendia o rótulo "Synth Pop". Aliás, os sintetizadores ainda tinham o papel dominante, mas a música era bem mais interessante pela junção de instrumentos de verdade e ritmos da World Music bem tecnológicos. "Dum Dum Girl", a faixa-título e a sublime "Does Caroline Know?" eram destaques num disco que surpreendeu e provou a capacidade da banda de fazer um trabalho coeso (fato raro na época). O produtor e multi-instrumentista Tim Friese-Greene, que tornou-se um quarto e membro não oficial da banda no resto de sua existência, teve papel decisivo neste crescimento. Ele virou parceiro ideal para Hollis e juntos fugiram das armadilhas da New Wave (no álbum de estreia) em favor de texturas mais ricas, mais naturais.
Lançado em 86, "The Colour Of Spring" continuou a tendência com os singles de sucesso "Life's What You Make It" e "Give It Up", tornando-se o LP de maior vendagem deles, até então. Novamente, um passo à frente, fizeram quase um álbum conceitual sobre os altos e baixos emocionais de relacionamentos e da vida em geral. Desenvolveram-se numa direção mais experimental que os trabalhos anteriores misturando ritmos interessantes, orquestrações, arranjos complexos e até corais infantis para criar atmosferas hipnóticas e evocativas. As canções não eram tão fáceis mais e os experimentos Ambient seriam até melhor realizados no futuro, mas "The Colour Of Spring" conseguia casar bem as ideias em um som único (que muita gente considera um dos discos mais lindos dos anos 80). Uma turnê mundial se seguiu e a EMI separou um enorme orçamento para o álbum seguinte. Em 87, o Talk Talk se instalou numa igreja abandonada em Suffolk e começou a gravar. Estourando todas as datas finais marcadas pela gravadora e até o orçamento folgado, Hollis recusou-se a fornecer à EMI qualquer fita antes de tudo terminado e informou que não haveria singles e que o grupo não seria capaz de recriar os arranjos complexos nos palcos (ou seja, não haveria turnês para divulgação). Finalmente, após 14 meses, "Spirit Of Eden" foi lançado para monumental aclamação da crítica, embora com pequeno sucesso comercial. Comparado com qualquer dos discos anteriores, era impossível acreditar que fosse trabalho da mesma banda. Trocando eletrônica por sons orgânicos e rejeitando estruturas em favor de climas e atmosferas, o álbum era um avanço sem precedentes, uma catarse emocional e musical de imensa força. As canções existiam amplamente fora do idioma Pop, cheias de texturas, arranjos jazzísticos e acentos vanguardistas. Beleza intrincada e delicada em composições como "Inheritance" e "I Believe In You", que ainda possuíam força (as letras falavam de temas como perda e redenção, com graça e discrição, mais os vocais assustadoramente cativantes que evocavam luta espiritual temperada com esperança). Uma experiência singular. Com a relação entre a EMI e banda no limite, um single foi lançado para "I Believe In You" sem o consentimento dos músicos. O Talk Talk abandonou a gravadora, que subsequentemente ajuizou ação alegando que a banda fazia álbuns anti-comerciais (o caso foi arquivado, claro) e lançou um par de compilações ("Natural History" e "History Revisited"), ambas sem o envolvimento da banda.
Eles então assinaram com a Polydor. Paul Webb saiu e o magistral "Laughing Stock" foi gravado com músicos convidados. Lançado em 91, o LP marcou uma ruptura completa com convenções ao adotar uma estética livre. Foi o último trabalho do Talk Talk. Virtualmente ignorado em seu lançamento, o disco continua até hoje a crescer em estatura e influência. Partindo de onde "Spirit Of Eden" ficou, a banda criou música delicada e intensa, gravada num formato de orquestra de difícil categorização, com poucas estruturas. Enquanto a hipnótica e leve "Myrrhman" flertava com texturas Ambient, a percussiva "Ascension Day" migrava para o Jazz, enquanto as duas coisas se convergiam para criar algo totalmente novo em "New Grass". A épica "After The Flood" era atmosférica com o feedback de guitarra e os vocais chorosos de Hollis. "Taphead" talvez fosse a mais espacial. Trabalho de incrível complexidade e imensa beleza, "Laughing Stock" permanece uma obra-prima. Hollis sumiu até 98 quando lançou um disco solo. Um ao vivo, "London 1986", foi lançado em 99.

Um comentário:

  1. Gosto muito da banda e seu som etéreo e envolvente. Mas só tenho e conheço os álbuns It's my life e The Colour of Spring, esse só tenho em vinil.

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