sábado, 26 de agosto de 2017

O humor ficou pequeno para um talento do tamanho de Jerry Lewis

Pelo jornalista André Forastieri.
Jerry Lewis morre sem deixar herdeiros nem legado. Só ótimas lembranças para uma turma que já vai ficando mais pra lá do que pra cá. Ninguém faz ou fará o que ele fez.
Jerry não é presença na TV desde os anos 70, quando minha geração o conheceu em festivais anuais da sessão da tarde, junto com Elvis e os Trapalhões. No cinema não dava as caras desde dez anos antes, metade dos 60. Sua obra não foi para o VHS nem o DVD.
Com a notícia da sua morte, fui procurar em quatro serviços online O Professor Aloprado etc. Nenhum tem nenhum filme de Jerry Lewis. É ilustre desconhecido das últimas duas gerações.
Jerry datou? Vou arriscar mostrar para uns adolescentes, para conferir a reação. Talvez riam, talvez nem consigam entender. E talvez fiquem com vergonha alheia, pela falta de vergonha de Jerry Lewis passar vergonha.
Jerry Lewis controlava seu corpo e rosto como ninguém. Era um remanescente do cinema mudo, nesse sentido. Seus filmes poderiam ser em russo ou latim e você iria rir do mesmo jeito. E tinha uma vitalidade inacreditável. Até porque fez sucesso muito jovem, dos vinte aos 35 anos. Energia máxima, sintonia fina, e sempre o mesmo personagem vulnerável, doce, infantil - mas não mexa com ele.
Jerry levou o humor físico muito além de Charlie Chaplin ou Buster Keaton, experimentando com posições de câmera, edição, som. Em algum momento seus filmes foram ficando abstratos, quase como os melhores desenhos animados da época. Não à toa Frank Tashlin, diretor de seis filmes da carreira solo de Jerry, um melhor que o outro, era um veterano dos Looney Tunes. Experimente "O Bagunceiro Arrumadinho".
O que matou o humor físico nos Estados Unidos foi a televisão. Nas séries impera a comédia de situação. Nos talk shows, os monólogos e papos roteirizados entre apresentador e convidado.
O último gênio do humor físico, quase ao nível de Jerry Lewis mas sem o mesmo espírito inovador, desafiador, foi Jim Carrey, por alguns anos. Rapidamente zarpou pra comédias familiares e chatice. Hoje todos os comediantes querem parecer cool e descolados, o exato contrário do que Jerry nos passava.
A decadência do humor físico seria menos triste se não viesse junto com a decadência do humor verbal. Ninguém é engraçado falando uma hora seguida, que é quanto esses standups falam. É muita gordura, muita enrolação.
O humor verbal sobrevive na internet, nos 140 toques do Twitter, em mini-sketches do YouTube. O físico menos - acho até que pelo tamanho da telinha. Que graça teria ver Jerry fazendo estrepolias com seu corpo em um celular? O humor ficou pequeno demais para um talento do tamanho de Jerry Lewis.
Retirado do site http://noticias.r7.com/blogs/andre-forastieri/2017/08/21/o-humor-ficou-pequeno-para-um-talento-do-tamanho-de-jerry-lewis/

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