sexta-feira, 13 de outubro de 2017

Até onde os Beatles teriam chegado sem Brian Epstein?




Falar sobre a importância dos Beatles para o rock and roll é chover no molhado. Afinal, eles são um ícone de uma era e impactaram de forma profunda no comportamento da civilização ocidental, foram divisores de águas do papel da juventude no mundo moderno (hoje cada vez mais acentuado). Influenciaram toda uma geração e, consequentemente, as que vieram depois. Tudo isso porque a passagem dos Fab Four pelo mundo não rendeu apenas hits conhecidos mundialmente ou álbuns geniais. Além de ajudar na globalização do rock, John, George, Ringo e Paul também influenciaram de diversas maneiras (e diferentes níveis) o mundo pop comercial.

Teriam virado o mundo de ponta cabeça nos efervescentes e revolucionários anos 60 sozinhos? Estavam apenas no lugar certo na hora certa? Com certeza, se retirar a palavra “apenas” da frase anterior, não deixa de ser uma verdade. O momento era aquele, e mesmo que não tinham a pretensão de mudar tanto o mundo, conseguiram, para seu próprio desespero. Pois além de reconhecidos e milionários, passaram a ser alvos, razão e foco de tudo o que acontecia no mundo (pop ou não) entre 1963 e 1970 e tiveram suas próprias vidas alteradas para sempre, a ponto de Lennon ter sido assassinado por um fã ensandecido e Harrison ter sofrido atentado a faca em sua própria residência, já nos anos 90.

Mas voltemos à questão crucial. Teriam feito tudo sozinhos? Haveria um 5º beatle? Quem teria sido o ele? Stuart Sutcliffe, o amigo de John Lennon que tocava baixo nos primórdios da banda e faleceu abruptamente por um aneurisma em 1962? Certamente não, pois se triá-lo da história da banda, não fará qualquer diferença. Pete Best, o primeiro baterista do grupo que saiu em 1962 para a entrada de Ringo Starr? Óbvio que não, tanto que a banda deslanchou quando ele saiu. Há quem garanta ser George Martin, o genial produtor que foi fundamental com seus arranjos fenomenais em todos os discos do quarteto? Pode até ser. Mas para Paul McCartney não foi nenhum desses: numa entrevista em 1999 ele afirmou que “se existiu o quinto beatle, ele foi o Brian”.


O Brian em questão é Brian Epstein, nascido em Liverpool em 1934 e falecido em 27 de agosto de 1967. De gerente de uma conceituada rede de loja de discos chamada NEMS passou para empresário dos jovens garotos ingleses que sob o seu comando conquistariam o mundo e ficariam para sempre marcados na história da música dali em diante. Brian Epstein foi essencial para esse sucesso, tanto que em 10 de abril de 2014, muito tardiamente, entrou para o Hall da Fama do Rock And Roll na categoria de Não Artista.

Judeu e homossexual numa Inglaterra preconceituosa e antissemita, onde o homossexualismo foi considerado crime até quase o fim do século XX, este filho de uma rica casta teve sua personalidade marcada para sempre e decidiu ser o melhor no que fosse fazer. Se dedicar à carreira daqueles promissores jovens no começo dos anos 60 foi sua melhor cartada. Ele mexeu as peças certas e a cada movimento valorizava ainda mais seus protegidos. Honesto e humilde num meio onde isso é raríssimo, ele sempre desviou a atenção de si, afirmando que os Beatles não teriam sido o que foram se não fosse o talento deles. Mas é fato que ele foi crucial. Tanto que quando recebeu o aviso de seu repentino falecimento a banda interrompeu o retiro que fazia em Gales, se preparando para uma viagem espiritual à Índia, para prestar a merecida última homenagem ao cara que os conduzira ao sucesso eterno, à fama e à fortuna.

Entre as grandes sacadas de Epstein está o fato de ter jogado, como nunca jamais alguém fizera, a mídia a favor de seus rapazes. Com estratégias de marketing sensacionais Brian Epstein ajudou os Beatles a emplacar um disco atrás do outro nas paradas dos Estados Unidos e atingir os mais diversos públicos. Desde então a propaganda é a alma do negócio. A TV era uma novidade nos lares do mundo todo e o empresário soube como ninguém tirar proveito dessa nova mídia. Ao negociar, em 1964, a apresentação da banda no mais assistido programa de tevê do mundo, o Ed Sullivan Show, Epstein exigiu apenas que eles fossem os últimos a se apresentarem, fechando o programa. Sullivan aceitou rindo, pensando apenas nos milhões de dólares que iria faturar. Até então era uma prática desconhecida, mas estava criada ali uma estratégia de valorização que perdura até os dias hoje e que propulsionou o frenesi chamado beatlemania.

Mas Epstein fez muito mais. Os shows em estádios, comuns até hoje, foi sacada dele. Com uma demanda gigantesca de fãs que queriam vê-los ao vivo nos EUA, o empresário agendou uma apresentação em Agosto de 1965 no Shea Stadium, em Nova York. Com ingressos entre $4,50 e $5,75 dólares, uma multidão de aproximadamente 55.000 pessoas assistiram a apresentação antológica que durou apenas 30 minutos e quebrou vários recordes da indústria. Dessa forma ele aplacava em escalas maiores a ânsia incontrolável de seus fãs. E a banda passou a se apresentar em grandes arenas, foi a primeira a conquistar esses espaços.

Videoclipes. Difícil dizer como e quando começou uma das mais úteis ferramentas de divulgação musical. Mas certamente nas mãos de Epstein houve um significativo upgrade do uso dessa técnica. Até os anos 60 somente artistas de Jazz haviam gravado pequenas suítes para fins comerciais. O mais próximo do conceito de videoclipes hoje tão difundido (e fundamental para sobrevivência da maioria dos artistas) eram os filmes do Elvis e dos próprios Beatles (trabalho também de Epstein, embora não inédito), que traziam pequenos trechos musicais. Foi quando percebeu que seus rapazes estavam sobrecarregados de trabalho e demonstrando exaustão, que o empresário teve a sacada de gravar um vídeo promocional de suas novas canções e enviar para as emissoras de TV nos EUA. Evitando a desgastante rotina de viagens e aparições ao vivo nos principais programas de auditório. De maneira simples gravaram em um jardim o clipe musical do single “Paperback Writer”/”Rain” em 1966, sendo um sucesso absoluto.

Epstein foi genial até quando a maré parecia estar contra, quando os Beatles decidiram cancelar as apresentações ao vivo e se dedicar mais ao desenvolvimento artístico com as gravações. Nos anos 60 era impensável um artista lançar um disco e não sair num circuito de shows pré-determinado em contrato para ajudar a promover seu trabalho. Tecnicamente isto é, ainda hoje, fora dos padrões da indústria. Mas foi exatamente isso que eles fizeram em 1966. O que poderia ter sido um suicídio para a carreira da maioria dos artistas na verdade só ajudou a enriquecer o trabalho de estúdio da banda, graças ao apoio do empresário em manter o foco sobre a banda e seu amadurecimento musical. A produção de discos conceito começa a ganhar força. Mesmo não sendo pioneiros, pois os Beach Boys e os Mother of Invention de Frank Zappa já haviam feito algo no sentido com Little Deuce Coupe e Freak Out respectivamente, os Beatles fizeram o melhor. Transformaram o pop em arte de vanguarda. Sgt Pepper’s Lonely Heart Club Band foi um retumbante sucesso mundial, um álbum que revolucionou todos os conceitos artísticos. Foi o auge do quarteto, que teve o inegável e fundamental empenho de George Martin e Brian Epstein, além de toda a fantástica equipe que acompanhava o conjunto em Abbey Road, em todas as etapas.



Graças a uma ideia de Brian, os Beatles foram os primeiros artistas a terem um programa transmitido via satélite para todo o mundo. Em 1967 participaram do especial Our World, onde contavam com a participação de celebridades de varias nacionalidades numa mensagem de paz. Usando quatro satélites situados em diferentes espaços da orbita terrestre o show poderia ser assistido por qualquer pessoa nos quatro cantos do mundo. E a fama da banda que não se apresentava mais em público só crescia. Agora reconhecida por sua qualidade. John Lennon compôs “All You Need Is Love” especialmente para o encerramento de Our World, enquanto Paul trouxe “Baby, You’re a Rich Man”.

A migração para as FMs também foi obra do staff da banda, com o empresário à frente. Novas no dial do rádio da América e da Europa, quem ditava as regras nessa área eram as AMs, que boicotavam temas polêmicos ou transgressões como músicas com mais de 3 minutos. Não puderam virar as costas para os Beatles com seu maravilhoso single Hey Jude batendo na casa dos 7 minutos e uma coda repetida dezenas de vezes (la la la lalalá, hey jude!). Resolveram cortar, o que levou os fãs à fúria e a Epstein sugerir esquema promocional milionário na nova onda radiofônica, que tocava formatos livremente. Assim, os Beatles podem ser considerados os verdadeiros pais das FMs. E quando a indústria fonográfica se consolidou, graças a seus artistas, mas desempenhando um papel ditatorial e explorador, foi Brian quem propôs a criação da Apple Corp, o os Beatles passaram a ser os artistas pioneiros em ter seu próprio selo. A poderosa EMI teve que aceitar, não poderia abrir mão de sua galinha dos ovos de ouro e continuou faturando com a distribuição enquanto a banda desfrutava de liberdade criativa.

Subestimado por jornalistas, biógrafos e fãs ao longo dos anos, Brian Epstein foi o anjo da guarda dos Beatles, o baluarte da beatlemania, o arauto da maior revolução musical da história contemporânea. Ele sempre dividiu com a competente e não menos genial equipe que ele ajudou a forjar em torno da banda, como o produtor George Martin e o engenheiro de som Geoff Emerick . Juntos desenvolveram ideias criaram técnicas de divulgação e gravação que forjaram o gigantismo dos Beatles e mudaram a cara da música.





5 comentários:

  1. Texto interessantíssimo. De fato, muito do sucesso inicial dos Beatles tem que ser creditado a Epstein. Seu estilo de empresariamento e sua lealdade fez com que os 4 garotos confiassem nele cegamente, desde o primeiro momento (eles nem liam os contratos que assinavam). Além de lidar com os assuntos comerciais, Epstein também frequentemente mediava conflitos dentro da banda. E, na minha opinião, sob pelo menos um aspecto, esta confiança total a Epstein foi negativa. Pouco depois de "Please Please Me" subir ao topo das paradas em 1963, Epstein sugeriu-lhes a criação da "Northern Songs", uma companhia para controlar os direitos autorais das composições, o que foi feito. A "Northern Songs" acabou contendo todo os direitos da música dos Beatles entre 1963-73, veja bem. Só que Dick James e seu sócio, Charles Silver, ambos editores musicais, tinham 51% da companhia. Lennon e McCartney tinham apenas 20% cada um. Epstein tinha os 9% restantes. Em 1969, a "Northern Songs" acabou comprada pela ATV Music Publishing, do magnata do entretenimento, Sir Lew Grade (numa estória que nós já contamos aqui no Mural - leia aqui: http://muralcultural2.blogspot.com.br/2017/06/a-bizarra-e-ultima-apresentacao-de-john.html). Fato é que, após a morte de Epstein em 1967, a dupla Lennon-McCartney ficou na mão de Dick James que vendeu a "Northern Songs" a ATV sem lhes dar qualquer aviso. Nos anos seguintes, eles até tentariam resgatar os direitos de suas próprias canções, mas as ações judiciais não foram vitoriosas e a ATV tornou-se dona majoritária de todas as canções dos Beatles. McCartney, depois, contou a Michael Jackson esta história e este lhe disse: 'Vou comprá-las'. Não deu outra: Jackson comprou a ATV, mesmo com McCartney e Yoko Ono tendo sido notificados sobre a venda, mas não fizeram propostas. Tempos depois, Jackson juntou sua compra com a Sony norte-americana. Em outras palavras, essa ideia de Epstein levou os Beatles a perderem a propriedade de suas próprias canções. Veja bem: não estou dizendo que Epstein não foi importante, porque ele foi e muito. Só estou dizendo que o fato dos 4 rapazes confiarem tão cegamente nele levaram-lhes a entrarem nessa canoa furada. Aliás, a morte de Epstein marcou o início do fim do grupo e teve um efeito profundo em cada um dos "fab four".

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  2. Epstein sofria de insônia aguda. Seu último contato com os Beatles aconteceu numa sessão de gravações em 23/ago/1967, em Londres. Epstein foi encontrado morto em sua casa na capital vítima de uma overdose de Carbitral, um remédio para dormir. Isto foi em 27/ago/1967. Ao que tudo indica, foi um acidente. Ele havia desenvolvido resistência ao Carbitral. Então, tomou 6 comprimidos de uma só vez, para dormir, o que talvez até fosse normal para ele, mas combinado com álcool aquilo reduziu sua tolerância de maneira letal. Ele foi encontrado de pijamas. Os Beatles estavam com o guru indiano Maharishi Mahesh Yogi quando a notícia surgiu. Nesta noite, haveria um segundo show de Jimi Hendrix no Saville Theatre, mas ele foi cancelado por causa da notícia da morte. Os Beatles não foram no enterro principalmente para permitir privacidade à família enlutada. Eles mandaram flores, mas elas eram proibidas em funerais judeus. Epstein foi enterrado no cemitério de Liverpool. Ele tinha apenas 32 anos.


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  3. Essas histórias de contratos, direitos autorais são sempre complexas, já que normalmente artistas não têm tino pra tal atividade e acabam se enrolando. Mas a atuação de Esptein foi fundamental para a disseminação e sucesso dos Beatles e esse é ponto da resenha. Sem seu sucesso, não haveria nem esse contrato com a Northern Songs. Como disse Paul, ele foi o 5º Beatle.

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  4. Concordo, brow, mas essa afirmação do Paul (colocando Epstein como o 5º Beatle) não coloca em segundo plano toda o trabalho do produtor George Martin?

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  5. Todos sempre acharam que ele era o 5º Beatle, inclusive eu (nós). Mas Martin tem uma participação fundamental na parte musical "apenas", transformando as composições dos Beatles em arranjos divinos. Mas se os Beatles não tivessem ficado famosos, será que ele abandonaria sua função executiva na EMI para cuidar exclusivamente da banda? Martin é um caso à parte na carreira da banda. Essencial para os revolucionários processos de gravação desenvolvidos. Hoje, depois de ler tanto sobre a banda, o vejo assim.

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