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domingo, 9 de outubro de 2022
Grandes álbuns do Prog-Rock: Pierrot Lunaire - "Gudrun" (1977)
O canto do cisne do clássico RPI (Rock Progressivo Italiano) pode ser datado de 1977. Um ano que, no entanto, produziu registros icônicos do movimento, como "L'apprendista" dos Stormy Six (que resenharemos no próximo domingo), grupo que simbolizou a mudança de perspectiva que estava ocorrendo (sua evolução culminará três anos mais tarde com "Macchina Maccheronica"), "Gudrun" de Pierrot Lunaire, com seus fortes laços com a música de vanguarda, e a estreia da Locanda delle Fate (resenhada na semana passada), provavelmente o último capítulo da temporada de Rock sinfônico local. Hoje, falaremos do Pierrot Lunaire, uma banda de Rock Progressivo formada em 1974 na capital Roma pelo multi-instrumentista Gaio Chiocchio (cítara, bandolim, violão, órgão Hammond, címbalos, tímpanos, vocais) e pelo pianista erudito Arturo Stàlteri (piano, órgão, sintetizador Eminent, espineta, celesta, percussão, vocais), com a entrada posterior de Vincenzo Caporaletti (violão de 6 e 12 cordas, guitarra, baixo, bateria e flauta), todos com formação musical em conservatórios. Gaio Chiocchio era brasileiro (nascido no Rio de Janeiro em 1954, filho de pais italianos). Na volta da família para a Itália, apesar das raízes piemontesas - região do norte do país cuja capital é Turim - , ela se fixou em Roma. Gaio tinha avô e irmãos músicos e logo também começou a aprender vários instrumentos musicais. Em 1973, ele conheceu Arturo Stàlteri, (nascido em 1959, portanto, mais novo 5 anos e então com 14 anos). Filho de mãe pianista e pai jornalista, o jovem Arturo havia herdado ambas influências. Sua mãe foi quem o encaminhou ao conservatório. A química (tanto musical, quanto na amizade) entre os dois foi instantânea. Eles montaram a banda, inicialmente chamada Printemps, e já com Vincenzo Caporaletti, outro estudioso musical, começaram a ensaiar.
"Ouverture XV" foi uma das primeiras canções criadas pelo trio. Eles conseguiram utilizar o estúdio da RCA italiana em Roma e sob a engenharia de som de Franco Finetti registraram o álbum de estreia (de nov/74, lançado pelo selo "it" de Vincenzo Micocci) já com o nome "Pierrot Lunaire" (composição de Arnold Schönberg, compositor austríaco de música erudita, talvez sua obra mais famosa apresentada pela primeira vez em 1912). A capa foi criada por Enrico Giammetta, que também tirou as fotos da contracapa. A música combinava elementos eruditos e era bem Rock Progressivo italiano, com melodias suntuosas, toques clássicos, tudo altamente técnico, mas suave e melódico com uma sensação teatral por toda parte. Instrumentação abundante e vocais cantados em italiano. Era uma espécie de Prog Folk Rock (por conta das muitas partes acústicas e ligeiramente medievais) cheio de ambientes delicados, algumas faixas curtas, por vezes lembrando coisas do Höelderlin. Esta orientação bucólica e pastoral era apenas parte da proposta. Havia ali toques perturbadores de dissonâncias e densidade a tornar as coisas misteriosas por vezes. Este ingrediente perturbador ficava integrado de maneira suave e natural no todo, sem quebrar a essência acústica (com ausência quase total de percussões). Era como uma neblina ou uma lufada de ar frio a abalar a pureza geral das paisagens serenas. Acrescentava tensão. Mas todos ali eram muito jovens ainda e o resultado acabou não sendo exatamente o que esperavam. Tanto Gaio, quanto Arturo ansiavam por uma direção mais experimental.
Gaio Chiocchio, Jacqueline Darby e Arturo Stàlteri
Em 76, Vincenzo Caporaletti deixou o grupo para se dedicar a uma carreira no Jazz e à estudos e foi substituído pela soprano galesa Jacqueline Darby. Isto aconteceu durante o processo de preparação do segundo álbum (entre 75-76), inicialmente planejado para lançamento em set/76, mas atrasado e só lançado um ano depois (em 77 - o motivo do atraso foi o fim das atividades da editora Vista, que iria distribuir o disco). Em "Gudrun", a sonoridade da banda mudou e o resultado foi substancialmente diferente. Todas aquelas atmosferas doces agora haviam sido substituídas por uma direção ao Avant-garde erudito. O novo trio foi completado por um baterista convidado, Massimo Buzzi, em três das oito faixas ("Giovane Madre", "Morella" e "Mein Armer Italianer"). Contínuas mudanças de ritmos, samples musicais e de falas, piano erudito e partes vocais eram agora os principais ingredientes. "Gudrun" é o nome de uma personagem mitológica nórdica (esposa de Sigurd/Siegfried, lendário herói da literatura das tradições germânicas e também presente no folclore escandinavo - presente no famoso "O Anel do Nibelungo", ciclo de quatro óperas épicas do compositor alemão Richard Wagner). A chegada de Jacqueline Darby trouxe nova vida ao Pierrot Lunaire e a relação entre Gaio e Arturo floresceu definitivamente. Depois da boa estreia, as ambições musicais os levaram a ultrapassar radicalmente os territórios tipicamente Prog para se dedicarem às referências eruditas e vanguardistas do século 20 (como aliás já aludia o próprio nome da banda e o título do álbum). O Rock Progressivo aqui estava nos traços mais dinâmicos que serviam de costura aos vários momentos líricos, às repetições mínimas (pequenos trechos sendo repetidos através de grandes períodos de tempo - uma clara influência do movimento artístico minimalista), ritmos quase hipnóticos, e às arrojadas referências à música erudita (como "Plaisir d'amour"). Entre colagens experimentais e uma mistura de eletrônica e música lírica, "Gudrun" representou um ponto de chegada do Prog italiano que agora se alargava em busca de novos caminhos a serem superados. Neste segundo álbum, toda a relação com a obra de Schönberg ficou clara. Música ousada tomando elementos operísticos e fundindo-os com eletrônica e com um Prog mais convencional. O resultado por vezes se aproximava do Rock In Opposition (porém sem bateria), mas ainda era acessível à maioria. A faixa-título que abria o álbum era simplesmente impressionante (onze minutos de grandes quantidades de camadas de sintetizadores e ornamentos sequenciados sobre os quais o canto de Darby, as linhas de piano, guitarras tempestuosas e algumas outras intervenções ocasionais criavam um amálgama ousado). O Pierrot Lunaire estava aqui anos-luz de distância de sua estreia. Agora, o objetivo era desafiar a estrutura e a convenção a fim de criar uma jornada sonora volátil e surpreendente. Experimentação, forma livre, a extraordinária mezzo-soprano Darby e o clique de câmera fotográfica na ligação entre faixas (como se cada uma fosse uma espécie de cenário imortalizado na foto e transformada em lembrança permanente). "Dietro Il Silenzio", em nítido contraste, trazia um sutil piano noturno, uma peça realmente bonita que valorizava os vazios silenciosos. "Plaisir d'amour" era um cântico de duas partes exibido sobre paisagens sonoras perturbadoras de guitarra e sintetizador. Em seu meio, um piano e congas revisitavam os vocais parecendo retratar um tipo de alegria espirituosa. "Gallia", composição de Jacqueline Darby, fechava o lado 1 e era uma vitrine para seu lado operístico dissonante. "Giovane Madre" abria o lado 2 e era a faixa menos anti-sinfônica. Um tema atraente em órgão e sintetizador sustentado sobre o baixo e a bateria do convidado Massimo Buzzi. No meio, um motivo renascentista suave emergia abruptamente criando uma tensão estranha. "Sonde In Profondità" começava com o som de um antigo discurso de rádio e acompanhada por um órgão evocativo, com cítara, sintetizador e violão até que tudo desaparecia sob ondas. "Morella" começava com um piano barroco alternando com uma cítara renascentista. Aí surgia Darby junto com o piano, um sintetizador, baixo e bateria (mais uma vez, Buzzi) entregando a passagem mais emocionante do álbum. Por fim, "Mein Armer Italiener" fechava o disco com uma combinação de paródia de marcha militar, Rock psicodélico, climas pastorais e canto de slogans, tudo num ambiente de humor radical dadaísta (pense nas canções mais teatrais de Frank Zappa). Se o álbum de estreia do Pierrot Lunaire era um catálogo de reflexões sobre o mundo interior, neste segundo Stàlteri, Chiocchio e Darby voltaram os olhos para o mundo em seu caos esplendoroso e facetas multicoloridas. Uma gravação excelente, contendo o lado mais experimental do Prog-Rock dos anos 70.
Já estava na expectativa do que viria na coluna prog esta semana, achando que a saga da Bota tinha acabado, mas tu conseguistes descarafunchar mais coisa!!! Esse também não conhecia!!!
ré-ré-ré. Como já dei spoiler no início desta postagem, na semana que vem, falarei sobre o Stormy Six e, a princípio, interromperei essa sequência de RPI para avançar por novos territórios, mas preciso dizer que minhas pesquisas produziram listas e há alguns álbuns/bandas que ainda preciso ouvir com calma, cruzar avaliações e concluir se são ou não merecedores de destaque nesta coluna domingueira. Então, ficaremos combinados assim: o Stormy Six será o último capítulo desta sequência ininterrupta de RPI. Talvez, surja alguma postagem retardatária no futuro fruto dos desdobramentos das minhas contínuas pesquisas, ainda que o foco siga em frente sobre outras maravilhas do Prog-Rock longe do "país da bota".
Já estava na expectativa do que viria na coluna prog esta semana, achando que a saga da Bota tinha acabado, mas tu conseguistes descarafunchar mais coisa!!! Esse também não conhecia!!!
ResponderExcluirré-ré-ré. Como já dei spoiler no início desta postagem, na semana que vem, falarei sobre o Stormy Six e, a princípio, interromperei essa sequência de RPI para avançar por novos territórios, mas preciso dizer que minhas pesquisas produziram listas e há alguns álbuns/bandas que ainda preciso ouvir com calma, cruzar avaliações e concluir se são ou não merecedores de destaque nesta coluna domingueira. Então, ficaremos combinados assim: o Stormy Six será o último capítulo desta sequência ininterrupta de RPI. Talvez, surja alguma postagem retardatária no futuro fruto dos desdobramentos das minhas contínuas pesquisas, ainda que o foco siga em frente sobre outras maravilhas do Prog-Rock longe do "país da bota".
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