quinta-feira, 15 de junho de 2017

Resenha: Roger Waters - "Is This the Life We Really Want?" (2017)

No início desse mês, foi lançado o novo álbum de Roger Waters, seu primeiro de material original em quase um quarto de século, um disco muito esperado por milhões de fãs mundo afora. Pesquisando pelo Google, as resenhas que encontrei definitivamente não se encaixaram nas minhas expectativas, nem nas canções já liberadas (que me piraram instantaneamente pela sonoridade meio "Animals", meio "The Final Cut") e nos vídeos existentes no YouTube. Um jornalista da revista Rolling Stone escreveu falando mal e detonando o disco. Palavras como "amargo", sombrio", "distrópico", ao invés de me soarem algo ruim, pelo contrário, revelaram que o bom e velho Waters ainda podia ter o mesmo brilho de outrora, com sua mala de truques. E mais: já estou acostumado com a internet e reconheço quando leio algo que é mera repetição/cópia/tradução, aquele texto sem opinião própria, vazio e feito na base do Ctrl+C, Ctrl+V. Vamos lá... Waters pode ter ficado de 1992 a 2017 sem gravar repertório novo, mas ele esteve bem ativo. Ele excursionou regularmente, escreveu uma ópera ("Ça Ira"), reuniu o Pink Floyd para o concerto beneficente "Live 8" (em 2005), reviveu "The Wall" diversas vezes (inclusive transformando sua temática em protesto político)... aliás, esse novo "Is This the Life We Really Want?" pega exatamente esse mote de música de protesto contra coisas como Donald Trump e o Brexit. Sim, há lamento, há protesto, mas não há exatamente raiva. Com ritmos tranquilos, paisagens sonoras amplas, solos de guitarra espaciais e crescendos emocionais é facilmente reconhecível como um álbum típico de Waters, ou talvez, do Pink Floyd fase final com Waters. Onde seus álbuns anteriores (como "The Pros and Cons of Hitch Hiking", de 84, "Radio K.A.O.S.", de 87, ou "Amused to Death", de 92) tinham produção que os deixavam presos àquelas épocas/datados sonoramente, este novo "Is This the Life We Really Want?" traz um som clássico floydiano, em grande parte devido à banda (com os guitarristas Jonathan Wilson - sim, ele mesmo - e Gus Seyffert, o baterista Joey Waronker - ex-REM e Beck - e o tecladista Roger Manning Jr. - ex-Jellyfish). Que banda! Mas a peça-chave é mesmo o produtor Nigel Godrich (do Radiohead), que consegue uma riqueza sonora, ora evocando elementos de "Animals" (de 77, como nas faixas "Smell the Roses" e "Picture That"), ora de "The Wall" (de 79) ou "The Final Cut" (de 83, como nas faixas "The Last Refugee" ou "Deja vu"). "Is This the Life We Really Want?" pode não ter a força narrativa e criativa de "The Wall", toda aquela brilhante atmosfera de "Animals", ou a pungência emocional de "The Final Cut", mas ao reunir elementos deles num pacote único acaba surpreendendo e fazendo jus ao que muitos têm apontado como seu melhor trabalho desde "Animals". Alguém poderá criticar essa exploração escrachada da música do Pink Floyd (aliás, na atual turnê dele, lê-se "Roger Waters & the music of Pink Floyd" para não deixar mesmo dúvidas de que não irá abrir mão de seu passado e de suas antigas criações), mas tal fato poderá também servir apenas como confirmação de que o gênio criativo de Waters já comandava mesmo amplamente aqueles espetaculares álbuns. Ao invés de ficar lançando discos de covers (como está fazendo Bob Dylan e fez Rod Stewart) ou discos de Natal (como é tradição artística nos EUA) ou coletâneas de sucessos ou discos sem qualquer inspiração (como tantos fazem), Roger Waters admiravelmente esperou ter algo importante para dizer antes de entrar num estúdio de gravação. E quão potente é seu discurso! Bem, talvez algumas dessas canções/letras não tenham exatamente sido escritas pós eleição de Trump, mas certamente se encaixam nele ("Picture a courthouse with no fucking laws/Picture a cathouse with no fucking whores/Picture a shithouse with no fucking drains/Picture a leader with no fucking brains", na faixa "Picture That"). Amor perdido, a estupidez humana e guerras... as guerras feitas pelos ricos e poderosos, mas enfrentadas pelos jovens, pobres e impotentes, típicas temáticas de Waters. As canções pulsam trazendo de volta muito daquela atmosfera floydiana de 77-83, o que é surpreendentemente bom. Com uma banda ultra inspirada, a mágica ressurge! Talvez, esse álbum seja provavelmente o mais próximo de um novo do Pink Floyd clássico (sem os demais membros vivos e mortos) que se poderá obter. Sensacional.

2 comentários:

  1. Um amigo já comprou, ouviu e não curtiu muito. Recomendei ouvir mais vezes, pois há sons que mesmo ouvidos treinados como os nossos estranham, requerem segundas ou terceiras audições. E ele me disse a mesma coisa...muito final cut pro gosto dele...bom, eu adoro o Final Cut, portanto, expectativas mantidas!!!

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  2. Achei genial album, com uma sonoridade distinta! Produção afiada do Nigel! Roger ainda comanda!

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