sábado, 10 de junho de 2017

The Allman Brothers Band: o glorioso Southern Rock que combinava Rock, Blues, Country e Jazz (parte 2)

The Allman Brothers Band NYC 1969: (atrás, E-D): Mike Callahan, Kim Payne, Berry Oakley, Duane Allman (no meio, E-D): Butch Trucks, Dickey Betts, Joseph “Red Dog” Campbell, Gregg Allman (na frente): Jaimoe 
O motivo da banda ter migrado para Georgia foi que lá, em Atlanta, Phil Walden havia estabelecido e era a sede da Capricorn Records. Mike Callahan e Joseph "Red Dog" Campbell tornaram-se os primeiros membros da equipe de roadies ("Red Dog" era um veterano do Vietnam incapacitado que doava seus benefícios para a banda). Em Macon (1h de carro de Atlanta), o grupo ficava no apartamento de um amigo de Twiggs Lyndon (outro roadie deles), na 309 College Street (espécie de base comunitária para a banda e equipe, que eles apelidaram de "Hippie Crash Pad"). "Havia 5 ou 6 outros apartamentos ocupados por famílias no prédio onde ficava o Hippie Crash Pad e era de se esperar que elas fossem chamar a polícia para nós por causa ficávamos infernizando o local às 3 ou 4 da madruga, mas não, eles simplesmente mudaram-se de lá", contou Trucks.
Vivendo com poucos recursos, eles encontraram uma amiga em "Mama Louise" Hudson, cozinheira e proprietária do "H&H Soul Food Restaurant", que ajudava quando o bicho pegava na falta de dinheiro. A imagem da banda era radical naquela Macon mal integrada: "Um monte de caras brancos não aprovavam os cabelos longos dos garotos ou o fato deles sempre terem um negro com eles", contou Hudson. A banda tocava quase todo dia localmente, assim como no Piedmont Park e na recentemente criada Capricorn, em Atlanta. O grupo forjou uma forte amizade ao passar incontáveis horas ensaiando, consumindo drogas psicodélicas e passeando pelo Rose Hill Cemetery, onde eles escreviam canções. A primeira performance fora do Sul aconteceu em 30 e 31/mai, em Boston, MA, abrindo para o Velvet Underground. Para engordar o repertório, eles recriaram velhos números do Blues como "Trouble No More" e "One Way Out", além de jams como "Mountain Jam". Gregg, que havia lutado para compor no passado, agora era o principal compositor da banda criando canções como "Whipping Post" e "Black-hearted Woman". A tentativa de gravar o álbum de estreia em Miami sob a produção de Tom Dowd (produtor do Cream e de John Coltrane) não deu certo. Ao invés disto, eles rumaram para NYC em ago/69 e trabalharam com o engenheiro de som da Atlantic Records, Adrian Barber (em seu primeiro trabalho como produtor). Eles gravaram o álbum em 2 semanas numa experiência muito positiva para a banda. NYC passou a ser considerada como uma segunda casa para eles. "The Allman Brothers Band" foi lançado em nov/69 através dos selos ATCO e Capricorn, mas conseguiu baixas vendas (menos de 35 mil cópias) no lançamento inicial. Executivos sugeriram a Walden que os relocasse para NYC ou Los Angeles para "aclimatá-los" à indústria. "Eles nos queriam como uma banda de Rock e nós mandamos eles se fuderem", contou Trucks. Ao contrário, eles preferiram manter-se otimistas e ficar no Sul. "Todos nos disseram que iríamos perder o rumo lá em baixo", disse Gregg Allman, mas a colaboração entre os Allman Brothers e a Capricorn Records transformou Macon, de pequena e sonolenta cidade, em um lugar da moda, selvagem e louco, cheio de motociclistas e roqueiros.
Eles alugaram uma fazenda num lago nos arredores de Macon, por 165 dólares ao mês, e o entra-e-sai lembrava-os o aeroporto de Idlewild (hoje JFK, em NYC). Por isso, eles colocaram-no o nome de "Idlewild South", um local para ensaios e festas e onde os amigos vinham dar uma passada. "Havia um pacto, todos por um e um por todos, todos na banda confiam 100%", contou o roadie Kim Payne. Muito do repertório do segundo álbum surgiu ali. A esposa de Oakley alugou uma casa no estilo vitoriano na 2321 Vineville Avenue, Macon, e eles se mudaram para lá (apelidando-a de "Big House"), em mar/70. Continuaram tocando muito durante todo o ano de 1970 (fizeram mais de 300 shows) viajando numa van Ford Econoline e depois numa Winnebago (apelidada de "Wind Bag").
Walden tinha dúvidas sobre o futuro da banda e se eles realmente iriam decolar, mas o boca-a-boca se espalhou devido à programação ininterrupta de shows e viagens o que fez o público só aumentar e aumentar. A vida dentro da Winnebago trouxe também uso pesado de drogas para a banda, sendo que todos ali (com exceção dos irmãos Allman) estavam lutando para criar um meio de subsistência. O gerente de turnês, Twiggs Lyndon Jr., acabou esfaqueando e assassinando em 29/abr/70 por não ter pagado a banda US$ 500 (eles haviam feito duas apresentações no Aliotta's Lounge, em Buffalo, NY, quando o baixista Berry Oakley foi receber do proprietário, Angelo Aliotta. O combinado eram US$ 1,000, mas Aliotta deu ao músico apenas US$ 500. Oakley voltou ao hotel e contou a Lyndon que pegou uma faca de 10" e foi até o clube. Aliotta disse que não pagaria a banda o primeiro show porque ele começara tarde, mas disse que daria o dinheiro se eles tocasse de novo na próxima noite. Começaram uma briga e Aliotta foi esfaqueado e morreu ali. Lyndon foi preso, sem direito a fiança e acusado de assassinato. Aquilo gerou na imprensa um debate sobre a vida na estrada de uma banda de Rock e os efeitos na psiquê das pessoas. O advogado do grupo, John Condon Jr., alegou em defesa insanidade temporária, argumentando que a rotina intensa de trabalho da banda literalmente levara Lyndon à loucura. A tática funcionou e Lyndon foi declarado não culpado por insanidade e foi transferido da prisão, onde ficara por 18 meses, para uma casa de recuperação psiquiátrica onde ele ficou por outros 6 meses. Lyndon morreu em 79 trabalhando para os Dixie Dregs. Ele era um paraquedista regular e saltou de 8.500 metros de altura em Duanesburg, NY, mas seu paraquedas não abriu).
No final de 1970, Duane ainda sofreria acidentalmente uma overdose de ópio (mistura de alcaloides extraídos da papoula, de ação analgésica, narcótica e hipnótica) após um show, mas escaparia com vida. "Idlewild South", o segundo álbum, produzido por Tom Dowd, foi sendo gravado gradualmente durante um período de 5 meses (entre fev-jul/70) em várias cidades, incluindo NYC, Miami e Macon. O disco foi finalmente lançado em set/70. Outro discaço-aço-aço (como aliás são os 4 primeiros da banda, todos completamente duca), mas desta vez levemente menos feroz do que na estreia, talvez resultado da busca por novas fronteiras. "Revival", a faixa de abertura, introduziu Dickey Betts como compositor. O sabor Country de suas canções indicaram a direção que a banda tomaria na era pós-Duane. Outra contribuição de Betts para o disco foi a instrumental "In Memory Of Elizabeth Reed", canção que passou a ser central nos shows e uma das mais queridas dos fãs nos famosos shows da banda. "Please Call Home" e "Midnight Rider", de Gregg, eram construídas ao redor de piano e violão, respectivamente, e tinham um apelo diferente do usual confronto guitarra Les Paul e órgão Hammond. Havia ainda o Blues funkeado "Don't Keep Me Wonderin'" (com Thom Doucette na gaita) e "Leave My Blues At Home". Outro destaque era a fuderosa versão de "Hoochie Coochie Man" (de Willie Dixon) com vocais de Berry Oakley (aliás, o único que ele gravou com a banda). Embora com pegada inferior à estreia, "Idlewild South" era mais impressionante pois trouxe uma mistura ótima de grooves e texturas muito sofisticadas. O álbum vendeu pouco melhor do que seu predecessor, ainda que a reputação da banda tivesse crescido muito (e alcançado patamar nacional). Algumas canções do disco se tornariam clássicos da banda ("Midnight Rider", por exemplo, se tornaria um hit cantado por vários artistas).
Logo depois de completa a gravação, Dowd pôs Duane em contato com o guitarrista Eric Clapton, que o convidou para participar de seu novo projeto, "Derek And The Dominos". Allman era grande fã do trabalho de Clapton no Cream e Clapton havia pirado com o trabalho de Duane com Wilson Pickett no cover para "Hey Jude", alguns anos antes. Eles se encontraram após um show em Miami e ficaram juntos até a tarde seguinte, como almas gêmeas instantâneas. Clapton convidou Duane para se juntar ao Derek & The Dominos, coisa que ele até considerou, mas depois declinou da oferta para se reintegrar à Allman Brothers Band (após ter perdido uma série de shows). As sessões de gravação feitas pelos dois guitarristas foram reunidas no álbum "Layla And Other Assorted Love Songs", lançado naquele nov/70. A sorte da banda começou a mudar ao longo de 1971 quando o dinheiro começou a entrar para valer. "Nós percebemos que o público era uma grande parte do que fazíamos e que não conseguiríamos replicar aquilo num estúdio. Uma luz se acendeu finalmente: nós precisamos de um disco ao vivo", contou Gregg. "At Fillmore East" foi gravado durante três noites (11, 12 e 13/mar/1971), no famoso Fillmore East, em NYC. A banda recebeu US$ 1,250 por noite. O álbum duplo foi lançado em jul/71 pela Capricorn Records por um preço de disco simples. Enquanto os discos anteriores haviam levado meses para chegar às paradas (ficando no fundo do Top 200), este começou a escalar as posições já no lançamento atingindo o nº. 13 e sendo certificado "disco de ouro" naquele outubro. Foi o trabalho da virada, tanto comercial quanto artística. Até hoje, é considerado entre os melhores ao vivo de todos os tempos e, em 2004, foi selecionado para ser preservado na Biblioteca do Congresso Nacional nos EUA devido sua "importância cultural, histórica e estética". De fato, enquanto a maioria dos grandes discos ao vivo no Rock são sobre energia, "At Fillmore East" é como uma grande sessão de Jazz ao vivo, onde os prazeres vêm da interação dos músicos e de suas performances. Um detalhe interessante é que o álbum original, que trouxe tanta aclamação à banda, é tão notável por sua esperta e inteligente edição de estúdio quanto pelas performances em si. Explico: o produtor Tom Dowd habilidosamente podou algumas para colocá-las dentro de um formato relativamente conciso (edições posteriores restauraram-nas ao tempo original - vide "The Fillmore Concerts"), às vezes condensando várias performances numa única. Longe de ser um sacrilégio, esta "tática" ajudou a apresentar os Allman Bros em sua luz total, já que mesmo que a música não fosse assim tão concisa (três faixas têm mais de 10 minutos e duas chegam a 20 minutos), ficava clara a espantosa interação instrumental do grupo, deixando cada músico (em particular o guitarrista Duane e o tecladista/vocalista Gregg) brilharem intensamente. Mesmo após o lançamento da versão não editada desses concertos, o álbum original duplo permanece como o auge da Allman Brothers Band e do Southern Rock, no seu aspecto mais elástico, blueseiro e jazzístico. Completamente duca.
Continua...

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