“O diabo é o pai do rock”. A frase foi eternizada pelo pai
do rock brazuca, o baiano Raul Seixas, na música Rock do Diabo. Mas de onde vem
essa mística? Puro marketing, lenda ou um erro histórico de interpretação?
Analisemos porque o “coisa ruim” é tão associado ao gênero musical desde seu
surgimento até os dias de hoje, de Alice Cooper a Marilyn Mason, de Sabbath e
Kiss a Misfits...a lista é interminável.
Por mais que hoje esteja no mainstream e seja envolvido com
movimentos modistas, o rock tem ligação umbilical com a rebeldia e foi associado
às manifestações contraculturais que explodiram na década de 60, resultando em
um forte conflito de gerações e ferrenha oposição de governos conservadores e
do establishment, especialmente na conturbadíssima América sessentista. O meio cultural e social em que o gênero
musical emergiu era predominantemente judaico-cristão e a figura simbólica e
representativa da rebeldia nesse ambiente religioso é o diabo, a criatura que desafiou a
ordem e o seu criador. A associação, então, tornou-se óbvia.
Mas não é só isso. O rock tem origem no blues, estilo
musical surgido entre os negros americanos desprezados pela maioria branca por
sua cultura africana. Incluindo aí suas religiões como candomblé, vodu, etc,
sempre associadas ao Satanás. A gênese dessa profunda relação com o Capiroto
pode estar na lenda do mais representativo nome emergido dos primórdios do
blues de raiz, Robert Leroy Johnson. O famoso mito que explicaria sua
genialidade e sucesso com as mulheres é a de que ele teria feito um pacto com o
Cramulhão em uma encruzilhada da road 61, entre Memphis e Clarksdale, no Tenesseee,
a quem teria oferecido sua alma em troca de talento e sorte. Essa íntima
relação com o demo está expressa inclusive em algumas letras de suas músicas
(como Me and the Devil Blues) que alcançaram reconhecimento em sua meteórica
carreira interrompida aos 29 anos sob misteriosa névoa.
Robert Johnson é natural do Delta do Mississipi, região de
predominância étnica africana e pródiga de grandes músicos do blues, onde essa
música teria sido concebida pelos escravos, com elementos dos cânticos
religiosos africanos misturados às influências das crenças e culturas locais,
em forma de lamentos pelo sofrimento escravagista associados às dores do amor.
Naquela região do meio oeste americano era (e ainda é) forte a crendice e
prática do vodu. Mas ao contrário da figura do anjo cristão caído e exilado por
Deus, atribuída ao Diabo pelo catolicisimo, no voduísmo o capeta não passa de
um fanfarrão, gazeteiro, gozador, sacana, brincalhão e malandro afeito apenas
aos prazeres da vida. E aí pode residir um erro histórico. Boêmio e mulherengo de carteirinha, Johnson
não era sócio de Lúcifer, mas de outras figuras negras de outras seitas não
cristãs, como Papa Legba, Damballa, Lilith, Apollyon, entre tantos outros com
características e inclusive gêneros distintos e não só masculinos como o
Belzebu é visto pelos judaico-cristãos.
Independente das lendas e origens dessa associação, o fato é
que baseado
nessa premissa que muitos astros de rock fazem sucesso, seja pra chocar seu
público ou como estratégia de marketing. Além de uma boa história, é muito
importante o visual. Apresentar-se com indumentária para impactar os
espectadores faz parte da rebeldia do rock’n’roll e se esse look tiver elementos que remetam a inspirações diabólicas, melhor ainda.
Se o Mephisto é ou não o pai do rock, não dá pra assegurar. O certo é que sua
figura estará eternamente ligada ao estilo.


ré-ré-ré... ótimo texto, brow. São tantos os nomes que dão para o tal "coisa ruim", que é até engraçado. Concordo (e acho mais provável) que essa história tenha vindo mesmo da caretice conservadora dos EUA, cujas famílias/prefeitos/xerifes viram inicialmente o Rock como coisa do demônio (capaz de "possuir" seus jovens bobinhos) e cresceu com a lenda de Robert Johnson (que acho só veio depois, já que ele ficou esquecido por décadas e sua obra só foi resgatada nos anos 60/70).
ResponderExcluirIsso mesmo. Tanto o rock, que tem como base forte ascendência negra e o blues, descendência direta da África Negra, foram atacados ou relegados (no caso do segundo) pela autoridades culturais americanas. O blues só não morreu porque um visionário pesquisador foi a campo gravar e registrar a história dos seus personagens ancestrais (trabalho que depois foi considerado como patrimônio cultural pelo Congresso Ianque) e também porque o rock britânico bebeu forte em sua fonte e a partir dos anos 60 resgatou o gênero, quando o rock americano da primeira geração encontrava-se no limbo. Uma das mais fortes características e impactos da famosa British invasion.
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