sexta-feira, 18 de agosto de 2017

A verdadeira Quadrophenia: Mods x Rockers nas praias inglesas dos anos 60.

Em 1964, gangues de Mods e Rockers travaram batalhas em diversas praias britânicas. Tudo começou durante o feriado da Páscoa (30 de março de 1964), na cidade litorânea de Clacton-on-Sea (com 30 mil habitantes, no condado de Essex), no sudoeste da Inglaterra. Famoso por seus moluscos e caramujos, chapéus de sol "Kiss Me Quick", locais para se jogar pinball e outros "arcade games", seu pier de 335 metros e areias douradas da "West Beach", Clacton foi o local da primeira grande "batalha" entre uns vinte e poucos Rockers e seus adolescentes rivais, os Mods. A cidade foi invadida por gangues de scooters (um tipo de motoneta) e 97 jovens foram presos. Seria apenas um pequeno ensaio do que aconteceria mais para o final daquele ano. Aliás, nos feriados de maio e agosto, confrontos envolvendo milhares de jovens aconteceram em resorts de beira-mar em Margate, Broadstairs e Brighton. Em Margate, Kent, houve correria numa batalha de cerca de 400 jovens e a polícia na praia, com garrafas voando no meio de um caos generalizado. Mas foi a briga em Brighton que ganhou as manchetes dos principais jornais da Inglaterra, relatando dois dias de violência e batalhas movendo-se até o litoral em Hastings.
A imprensa pegou aquela estória de juventude fora do controle e os igualou a cães Terriers (um tipo de cachorro inglês próprio para caça) e atirou todo adjetivo pejorativo em cima deles, classificando os eventos como pequenas guerras. Contudo, esses confrontos entre Mods e Rockers não foram, na realidade, piores do que muitas lutas entre torcedores de futebol (os hooligans) ou gangues de rua num sábado à noite. No entanto, a imprensa e a sociedade instituída (polícia, judiciário, igrejas, conselhos locais, políticos...) viram ali uma oportunidade de bater na juventude e criaram um verdadeiro pânico indignado por aquele deplorável e não civilizado comportamento. Os Rockers eram gangues de motoqueiros. Eles se mantinham à parte da sociedade, funcionavam por regras próprias e rituais, além de usualmente só brigarem com Rockers rivais. Embora considerados perigosos (e frequentemente referidos na imprensa como "wild ones", numa referência a um filme norte-americano estrelado por Marlon Brando), havia uma furtiva admiração por eles já que personificavam a fantasia masculina da liberdade e do "foda-se" com a qual a maioria dos trabalhadores comuns apenas podiam sonhar.
Os Rockers ainda tinham um apelo adicional por virem da classe trabalhadora e serem fãs de Rock'n'Roll, o que era algo mais aceitável ao inglês médio daquela época (meados dos anos 60), já que o temente à Deus Elvis Presley tinha dado aos jovens um bom exemplo a todos do seu país ao se alistar nas forças armadas dos EUA. Os Mods, por outro lado, eram de quantidade desconhecida. Ambiciosos, aspirantes à classe trabalhadora, astutos politicamente, incapazes de aceitar um "não" como resposta, eles metiam medo pelo uso de drogas (os comprimidos de "speed" eram as escolhas típicas) e pelo interesse em boa aparência e pelo uso de roupas justas (vestir roupas justas era considerado "suspeito", algo afeminado e a consciência da moda não era um atributo tradicionalmente dado aos homens). Para as gerações mais velhas, os Mods eram a face do futuro se aproximando: as universidades de tijolos vermelhos, os conselhos municipais, os supermercados, as auto-estradas, os restaurantes self-service... aqueles subversivos seriam o futuro pelo qual eles lutaram na guerra?
Foram esses os eventos que inspiraram Pete Townshend (do The Who) a compor a Opera Rock "Quadrophenia". Cinquenta anos após esses infames incidentes, a BBC fez um documentário revisitando os Mods, os Rockers e o caos que eles criaram ("Mods, Rockers and Bank Holiday Mayhem"), entrevistando alguns jovens que estavam lá. Confira:
Nesse outro documentário, "Primitive London", também sobre o mesmo tema (porém, com intensão sensacionalista mostrando o lado tribal da cultura jovem e suas modas), quatro culturas jovens abordadas são os Mods, os Rockers, os Beatnicks e os Outsiders. Os Mods são rotulados como "pavões", os Rockers são vistos como vadios e estúpidos, os Beatnicks são colocados como sem saber realmente no que acreditavam (já que eram contra tudo) e finalmente havia aqueles que não eram parte de nenhum grupo e eram considerados "Outsiders" (fora da sociedade), que dissipavam sua identidade em completa passividade. Os Beatnicks, em especial, são mostrados nos bares, enchendo a cara e respondendo a questões sobre moda, trabalho, casamento e temas relativos ao que os produtores do documentário consideravam importante em 1965. Detalhe interessante: o bar visto é o mesmo onde Rod Stewart, então "Rod, The Mod" surgiu.

3 comentários:

  1. Putz, que baita coincidência de novo!!! Depois de vc estar ouvindo Schenker na sexta, como eu, separados por mais de 100km, esta agora. Pelo horário da postagem, algumas horas antes eu estava lendo sobre o mesmo episódio, no meu intervalo de almoço. Um trecho do livro Can't Buy Me Love, que situa e analisa a Beatlemania inserida nos panoramas políticos, sociais e econômicos na Inglaterra e nos EUA no período. Engraçado, sempre houve esses entreveros entre jovens. Só que hoje a parada acontece com armas. Neste acima citado, pelo menos no da páscoa, parece que houve só uma morte, assim mesmo um jovem bêbado que teria adormecido num penhasco e acabou despencando.

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  2. Brow, nós temos mais sintonia do que nosso R'n'R de cada dia pode antever... a inesquecível US Rock Trip 2013 demonstrou isto. Parças de coração.

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