terça-feira, 19 de setembro de 2017

David Bowie como "o homem elefante"

O diretor teatral Jack Hofsiss convidou David Bowie, certa vez, para participar da produção "O Homem Elefante", no papel principal de Joseph Merrick. O ator que estava fazendo o papel, Philip Anglim, havia deixado a peça e Hofsiss precisava de substituí-lo imediatamente. Bowie teve 24 horas para decidir. Ele havia passado todo aquele ano de 1980 numa turnê mundial e gravando um novo álbum, "Scary Monsters (And Super Creeps)" (lançado em set/80). Enquanto muitos teriam agradecido e fugido do compromisso de enfrentar e estrelar uma peça nessas condições, Bowie aceitou na hora. Ele juntou-se ao elenco em San Francisco, CA e começou a ensaiar seu papel. Insinuações de que a escalação de Bowie teria sido uma jogada de marketing para faturar mais logo perderam sentido quando o elenco testemunhou a sinceridade e o esforço do próprio Bowie em acertar e realizar a melhor performance. Bowie logo conquistou todos.
Joseph Merrick nasceu na Inglaterra em 1862 e desenvolveu uma estranha e até hoje desconhecida condição médica que causou-lhe sofrimento com severas deformidades em seus órgãos e ossos, deixando-o desfigurado. Sem condições de conseguir trabalho, ele acabou virando atração num show de horrores num circo como "o homem elefante". Eventualmente, ele seria resgatado por Frederick Treves, que tornar-se-ia seu amigo. Bowie havia ouvido falar do texto quando ainda adolescente. Ele diria mais tarde ter sempre estado interessado em bizarrices e em situações limite da sociedade, aqueles que são vistos como párias e estão à margem. Suas vidas e experiências teriam sido base para suas composições musicais. Certamente, foi uma jogada de gênio a escalação de Bowie para o papel, que acabou trazendo para a personagem uma rara sensibilidade exercitada em sua música e em suas encarnações como Ziggy Stardust ou Thin White Duke.
Como parte de seu trabalho de pesquisa para caracterização da personagem, Bowie visitou o hospital londrino onde são guardados os ossos verdadeiros de Merrick e a igreja de papel-cartão que ele construiu - um símbolo da busca por paz espiritual de Merrick. Bowie encenou o papel sem qualquer maquiagem e, a cada noite, forçou seu corpo contra posições dolorosas e retorcidas para incorporar Merrick. Seu parceiro de palco, Ken Ruta (que fez o Doctor Treves) declarou que havia total honestidade em sua representação e que seu maior talento era a habilidade de ouvir as falas dos demais durante a encenação. Demais atores se impressionaram até com a transformação física de Bowie na busca por se tornar Merrick. "Ele não queria glamour, ele queria envolvimento". Na medida em que a peça excursionou pelo país, fãs de Bowie se mobilizaram para vê-lo e até furtar algum objeto pessoal de seu guarda-roupas. Até bingas de cigarro eram valiosas! Bowie passou a ter que carregar parte de seus pertences em malas e não deixá-los nos camarins. Também não ficava com o elenco em hotéis conhecidos. Preferiu apartamentos alugados onde ninguém (exceto poucas pessoas muito próximas) poderia encontrá-lo. Ainda assim, a incessante perseguição dos fãs incomodou. Houve ataques ao elenco em Chicago.
A produção ficou no Booth Theater, em NYC, entre set/80 a jan/81, onde recebeu resenhas arrebatadoras e Bowie sendo alvo de elogios especiais. As apresentações foram lotadas e, na noite de abertura, John Lennon, Yoko Ono, David Hockney e Andy Warhol estiveram presentes. Foi durante essa temporada na Broadway que Lennon foi assassinado por Mark Chapman. Naquele out/80, Tim Rice entrevistou David Bowie, em NYC, para o programa "Friday Night, Saturday Morning", da BBC, e ele falou sobre a peça, sobre trabalhar com teatro e seu álbum "Scary Monsters (and Super Creeps)", com cenas filmadas de uma apresentação:

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