segunda-feira, 9 de outubro de 2017

Discoteca básica da Bizz: Black Uhuru - "Sinsemilla" (1980)

(Edição 196, Dezembro de 2005)

Há incontáveis razões que fazem de Sinsemilla, estréia internacional do Black Uhuru, um álbum como nenhum outro. Emblemático, foi lançado no começo de uma década crucial para o Reggae, pouco antes da morte de Bob Marley (1981) e também antecedendo o surgimento do Dancehall e sua variação Toast ou Ragga (1985) - gêneros que seguramente devem sua existência à liberdade estética trazida por essa obra angular. 
Estranho, apresentava um Reggae seco e pesado, de outra ordem ou categoria, ainda que bastasse juntar as peças para perceber ali as melhores escolas do Ska, do Rock Steady, do Dub, assim como do Funk, do Soul e do Rock. Dá pra dizer que o melhor da música jamaicana dos anos 60 e 70, bem como outras influências que bateram na ilha, estava ali resumido e embrulhado para presente. 
Por trás desse resultado faíscante estão Sly Dunbar(bateria) e Robbie Shakespeare (baixo), os embaixadores do groove jamaicano, que a partir daí consolidaram internacionalmente sua fábrica de ritmos (gravaram com Bob Dylan, Rolling Stones, Joe Cocker, Bill Laswell e seguem na moda). E neste disco em especial, como produtores, Sly & Robbie fizeram com que o trio vocal, então formado por Michael Rose, Derrick Simpson e Puma Jones reinventasse o jeito jamaicano de harmonizar com timbres exóticos e vocalises carregados de lamúria e fado pontuando o ataque devorador de uma senhora banda: estão ali Ansel Collins (teclados), Rad 'Duggie' Bryan (guitarra líder), Ranchie McLean (guitarra rítmica) e Sticky Thompson (percussão), que já eram lenda na época. 
Hoje, em tempos de banalização do discurso Rasta e seus bordões, os temas das oito faixas de Sinsemilla talvez soem meio carne-de-vaca a começar pela faixa-título, expressão que vem do espanhol “sem semente”, virtude de um tipo forte de maconha. Mas há 25 anos, ora, tinham lá o seu frescor. E nem é preciso perder tempo com isso, porque não é a poesia que faz do álbum esse símbolo augusto: o tesouro está em sua sonoridade, em seus arranjos, nos riffs explosivos de guitarra, na voz de Michael Rose, no quase transe inspirado pelos backing de Puma Jones (morta de câncer em 1990), e acima de tudo na massa firme e criativa de Sly & Robbie. 
Red (1981), Chill Out (1982) e Anthem (1983) costumam ser bastante reconhecidos - o terceiro inclusive faturou o Grammy de melhor álbum de Reggae. Mas, cá entre nós, Sinsemilla é o ovo e a galinha. 

Otávio Rodrigues

9 comentários:

  1. Na época que descobri e curtia mais o reggae, esse disco balançou as estruturas. Para quem curte o gênero é uma baita obra. Á época ele era facilmente encontrado, até em bancões de promoção. Hoje se tornou meio que uma raridade. Como não tenho muito interesse em investir em reggae mais, fica na lembrança de um álbum repleto de balanço.

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  2. Outro texto empolgante da "discoteca básica da Bizz". Lembro que estes textos me deixavam ansioso por conhecer tais discos, dos quais eu nunca havia ouvido falar. O Reggae, o Ska, o Rocksteady e demais subgêneros jamaicanos formam um mundo à parte. Aliás, duvida recorrente é: o que é na verdade cada um e como diferenciá-los? Acompanhe...

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  3. Tudo começou no finalzinho dos anos 1950, após a Segunda Guerra Mundial, quando os jamaicanos passaram a ter mais acesso aos rádios e, consequentemente, a ouvir os ritmos que estavam bombando nas estações norte-americanas. Não demorou até que eles encontrassem no Jazz e no R&B uma inspiração nesse momento pós-guerra.

    Alguns produtores que viajavam para os Estados Unidos voltavam para a Jamaica com a mala recheada de discos para tocar em seus sound systems. Unindo essas referências da música norte-americana com a forte influência dos ritmos caribenhos (como o Mento, Calipso e Rumba), os jamaicanos começaram a fazer suas próprias experiências musicais, o que resultou no Ska.

    Essas músicas surgiram em um momento de esperança pós-guerra, independência (a Jamaica se tornou independente do Reino Unido em 1962) e busca pela paz. É possível notar todas essas influências no ritmo contagiante do Ska.

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  4. O início da história do Reggae pode ser datado a partir do final de 1968, quando os músicos receberam algumas influências de gravadoras norte-americanas e começaram a experimentar diferentes padrões rítmicos numa espécie de transformação do Rocksteady. Na época, o termo usado era “Regay”, que pouco depois mudou para “Reggae”, e só depois começou a ser chamado de “Early Reggae”.

    Diferente do Rocksteady, o Early Reggae se mostra um pouco mais “animado”, com baterias mais complexas e a presença marcante do órgão Hammond. As letras também começam a ganhar assuntos mais variados. O Early Reggae atravessou fronteiras e saiu da Jamaica para se tornar queridinho no Reino Unido, durante o final dos anos 1960 e inícios de 1970.

    Muitas vezes esse estilo é chamado também de “Skinhead Reggae” devido à sua popularidade entre os skinheads britânicos e também pela criação de um estilo com esse mesmo nome, que trazia em suas letras temáticas direcionadas para os skinheads. Mas é importante destacar que nem todo Early Reggae é considerado Skinheads Reggae, mas o contrário sim.

    A introdução da música “Stir It Up”, de Bob Marley, representa bem algumas das características citadas.

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  5. O Roots Reggae foi popularizado por artistas como Bob Marley e Peter Tosh, e normalmente se refere ao tipo mais “reconhecível” de Reggae. O estilo dominou as gravações jamaicanas entre meados de 1972 e 1980.

    Embora apresente peculiaridades em suas características musicais, o termo “Roots” (Raízes) muitas vezes implica mais na mensagem da música do que em seu estilo musical propriamente dito.

    Portanto, muitas vezes o termo é usado para abranger diversos artistas que podem cobrir alguns outros subgêneros do Reggae. Nesse sentido descritivo do termo, o Roots Reggae pode ser associado às letras com mensagens voltadas às crenças Rastafári, a escravidão, fim do colonialismo, passagens bíblicas – principalmente sobre a Babilônia –, e, claro, sobre Jah. Letras sobre a pobreza, opressão racial e meditação sobre temas espirituais também entram na lista.

    Em relação às demais características musicais, pode-se destacar a bateria do Roots Reggae, onde os músicos desenvolveram padrões de bumbo mais complexos, com certa influência do Funk e do R&B. Os padrões de guitarra, piano e teclado também foram refinados para os padrões mais conhecidos do Reggae atualmente. Foi nesse processo que o baixo tornou-se uma das características mais definitivas do Reggae como um gênero.

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  6. Ainda nos anos 1970, Lee ‘Scratch’ Perry, King Tubby, Errol Thompson e Bunny Lee foram os pioneiros do Dub, um estilo que envolve uma extensa remixagem de materiais gravados.

    O som visceral do Dub possui forte ênfase na cozinha (baixo e bateria), conta com delays, ecos, além de efeitos especiais, como trovões e tiros, por exemplo. As primeiras gravações de Dub ganharam vida como versões no lado B das faixas vocais nos discos.

    “Blackboard Jungle Dub “(1973) de Lee “Scratch” Perry e The Upsetters é uma das primeiras gravações de Dub conhecidas.

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  7. O termo “Rockers” é utilizado como referência a um determinado tipo de Roots Reggae que teve início em 1970 com Sly & Robbie e ficou muito popular no final da mesma década.

    Rockers geralmente é descrito como um estilo um pouco mais mecânico e agressivo de tocar Reggae, com uma presença de padrões de bateria sincopados e grande destaque para o baixo. O termo também ficou mundialmente conhecido graças ao filme homônimo, de 1978.

    O Lovers Rock surgiu no meio da década de 1970, e teve forte presença no sul de Londres, onde acabou se solidificando. Artistas como Alton Ellis e John Holt se especializaram em cantar uma melodia influenciada por artistas do soul norte-americano, e logo os sound systems britânicos começaram a abraçar os covers de baladas românticas.

    O Lovers Rock Possui um estilo bem similar ao Rocksteady, e o público feminino sempre mostrou uma queda por suas melodias mais suaves com letras que exploram os altos e baixos dos relacionamentos, falando quase sempre de amor. Muitas mulheres se destacam no estilo, como Janet Kay, que conseguiu chegar ao mainstream com a música Silly Games (1979). Destaque também para o trio Brown Sugar, que gravou sua primeira faixa quando ainda estava na escola.

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  8. No final dos anos 1970, temas como injustiça social, repatriação e o movimento Rastafári – que faziam parte do Roots Reggae – foram surpreendidos por letras sobre dança, violência e sexualidade. Isso foi decorrente da mudança de partidos políticos e da agitação que rolava na Jamaica. Um novo estilo surgia: o Dancehall, focado em temas mais “apimentados” e com artistas como Yellowman, Barrington Levy e Eek-A-Mouse ganhando notoriedade no Reino Unido e nos Estados Unidos.

    Uma característica importante do Dancehall é o papel dos selectors nos sound systems, que rotineiramente usam o controle de volume dos mixers para remixar o riddim em torno dos padrões rítmicos dos vocalistas.

    Quando falamos em Dancehall fica um pouco difícil não falar de “Ragga” (ou “Raggamuffin”). Trata-se de um termo que geralmente é usado para descrever um tipo de Dancehall que emergiu nos anos 1980 e conta com instrumentações digitais, mas poucos elementos do que é tradicionalmente visto como Reggae.

    Nos anos 1990, a violenta realidade de Kingston acendeu uma luz de alerta, ainda mais após a morte de deejays como Pan Head e Dirstman, ambos mortos a tiros em 1993.

    A época então foi marcada por uma grande mudança no Dancehall, pois diversos artistas resolveram voltar às origens e abraçar temas Rastafári e culturais. Muitos abandonaram o estilo “slackness”, marcado por letras sexuais, para escrever músicas sobre direitos iguais e justiça, como Capleton e Buju Banton.

    Esse movimento de retorno às raízes fez com que um novo termo surgisse: o “New Roots”, que mesclava as tradições dos anos 1970 com referências sonoras mais modernas.

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  9. Curioso, portanto, notar que o Reggae é considerado o terceiro ritmo jamaicano mais importante da década de 1960, precedido pelo Rocksteady, que, por sua vez, teve origem no Ska.

    Rocksteady era um estilo de música popular jamaicana que se diferenciava do ska nos anos 60. Em seus termos mais simples, rocksteady é como o ska com metade da velocidade, com o trombone substituído pelo piano e pelo baixo proeminente, sincopado.

    As letras desse estilo são mais voltadas a temas sociais, com maior consciência política. Há um foco maior em harmonias, particularmente nos trios como: The Heptones, The Gaylads, The Dominoes, Toots & The Maytals, The Aces e The Wailers. Outras figuras principais incluem Alton Ellis e Ken Boothe.

    Com suas composições relacionadas à batida e ao protesto social, a música serviu como um precursor ao reggae.

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